domingo, 29 de maio de 2011

Origens Perdidas

Por Gabriel Guimarães


Por anos, os quadrinistas brasileiros travam batalhas épicas pelo reconhecimento das histórias em quadrinhos como forma de arte, pois nunca bastou ter a rara capacidade e determinação necessárias para se produzir uma história gráfico-textual que emociona e liga culturalmente milhões de pessoas. Dos quadrinistas, sempre foi necessário mudar a figura do imaginário popular nacional de que todo artista é o que é por ser um desocupado, incapaz de realizar uma função mais comum e produtiva em termos de consumo para a sociedade. Esse, meus caros leitores, é o grande problema do Brasil. Enquanto em países europeus e em grande parte dos Estados Unidos, o artista, seja ele escritor, pintor, escultor, etc, sempre é visto como uma figura de destaque, alguém cujas particularidades na visão de mundo lhe dão uma impressão tão extraordinária de tudo, que os resultados de sua obra devem ser compartilhados com o resto do mundo, assim engrossando o contingente de conteúdo cultural da humanidade. Entretanto, basta que se olhe para o mercado brasileiro de artes que você não demora muito para ver uma série de problemas.

Mesmo tendo sido defendido como meio de comunicação valioso por grandes autores como Gilberto Freyre e Jorge Amado, e editores extremamente capazes e destacados como Adolfo Aizen, Sérgio Machado, Victor Civita, Waldyr Igaiara, entre tantos e tantos outros, os quadrinhos não gozam de uma boa imagem pública até os dias de hoje. Por mais que você encontre hoje, às centenas, pessoas comentando que leram esse ou aquele livro em quadrinhos e acharam seu conteúdo espetacular, muitas dessas mesmas pessoas não aceitariam de imediato a idéia de ver os quadrinhos como uma forma de arte válida como a pintura ou a escrita literária. Neste último mês, ouvi alguns discursos aleatórios, fosse no shopping ou na faculdade, que me deixaram bastante a par de como essa visão tem se dado nos dias atuais.

Considero este talvez o grande problema do povo brasileiro quando se trata de buscar melhorias como sociedade e de mostrar seu valor cultural para o mundo: a depreciação e desvalorização de seus artistas. Vale aqui lembrar, que na década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro foi considerada o pólo artístico-cultural de maior destaque e influência no mundo inteiro. Hoje, ocupar tal posto novamente me parece algo muito difícil de se conseguir, porém, eu acredito na mudança. Acredito sim que é possível mudar, amadurecer essa visão deturpada da maioria dos brasileiros. Porém, sei que essa tarefa é grande demais para apenas uma, duas ou até mil pessoas. Para alcançar tal objetivo, é preciso uma comoção maior, um reconhecimento que deve ser estimulado por todos os fãs de quadrinhos quando possível.

Muitos devem estar estranhando talvez o tom revoltado do meu discurso, porém, ele decorre da notícia que motivou essa postagem: o roubo dos dois primeiros exemplares da revista que inaugurou os quadrinhos no Brasil, "O Tico-Tico", direto de dentro do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), aqui no Rio de Janeiro, há pouco mais de um mês, mas que só agora foi noticiado. A proteção aos artefatos culturais deveria ser uma das funções mais prioritárias desse órgão público, porém, essa notícia demonstra a incapacidade dos seus organizadores para administrar algo de tamanha importância para nós, brasileiros, e isso, despertou em mim a vontade de escrever sobre esse déficit de valor que os produtores de bens culturais e intelectuais vêm sofrendo por anos, décadas. De acordo com a notícia que saiu no jornal O Globo, os erros da FBN vão muito além do roubo de seus artefatos históricos, chegando a erros de contabilidade e de avaliação de licitações.

A FBN não pode, em hipótese alguma, se dar ao luxo de passar por erros como esses, pois eles são os responsáveis pela manutenção do maior bem que qualquer brasileiro pode ter: seu patrimônio cultural. Acho sinceramente ridículo o quão desvalorizado que chega a ser o status do artista no país, e realmente luto por essa mudança de paradigma a cada oportunidade que me surge. O que isso tem a ver com o roubo da FBN? É preciso compreender o quanto é imprecindível o artigo de maior valor que a instituição guarda, a cultura, e como isso deve ser de fato guardado, administrado e, ainda assim, disponibilizado para todos os cidadãos brasileiros que venham a necessitar desse conteúdo. É um trabalho complicado, difícil, eu sei, porém, é preciso que os demais setores da sociedade compreendam a necessidade de investimentos maiores nisso e, é claro, em estar atentos a como esses investimentos são gastos propriamente dito. Os gastos abusivos por falta de administração não podem mais ser tolerados, e precisam de reformas imediatamente.

Enquanto isso, o patrimônio cultural que foi um dia, e ainda é, as edições de "O Tico-Tico" perde parte essencial de seu acervo e, com isso, deixa de atingir aqueles que desejavam procura-lo como referência para a formação da sociedade brasileira ao longo do século XX, através do qual sua história se extendeu e permaneceu viva através de dedicados pesquisadores como Waldomiro Vergueiro. Perdem-se mais que duas revistas, perdem-se dois pilares da cultura do Brasil, e isso é, absolutamente, inaceitável.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um Lugar para Recordar Jayme Cortez

Por Gabriel Guimarães



É um fato conhecido que os quadrinhos brasileiros tiveram muitos de seus pilares mias antigos construídos em cima de talentosos estrangeiros que descobriram no Brasil algo que os prendeu indefinidamente aqui, sendo então responsáveis por muito da produção de histórias em quadrinhos que era feita em editoras como  a Ebal, a La Selva e a editora Abril (todas presididas por figuras da mais alta importância para a história dos quadrinhos no Brasil, apesar de não terem nascido propriamente aqui, o russo Adolfo Aizen e os italianos Vito La Selva e Victor Civita, respectivamente - um breve histórico de sua participação na formação do mercado editorial brasileiro pode ser encontrada em matéria já publicada antes aqui no blog e no excelente livro do pesquisador Gonçalo Júnior, "Guerra dos Gibis").


Jayme Cortez à direita junto do
ainda jovem Maurício de Sousa

Dentre os grandes nomes dessa época, destacaram-se muito o italiano Eugênio Colonnese, o nipônico Julio Shimamoto e o português Jayme Cortez, que, em meio a uma precariedade inicial de recursos, foram capazes de levar seus trabalhos às mãos de milhares de brasileiros. A matéria de hoje é para destacar um projeto que homenageia este último que citei, Jayme Cortez, do qual tomei conhecimento recentemente. Produzido por Jayme Cortez Filho e Fabio Moraes, começou a ser disponibilizado há pouco tempo na forma de um museu virtual com fotos antigas e trabalhos produzidos pelo luso-brasileiro, o blog Jayme Cortez, a fim de honrar a memória do desenhista e manter sua contribuição para os quadrinhos brasileiros viva.


Cortez conversando com o
americano Stan Lee, criador de
grande parte do universo Marvel

Essa iniciativa é algo que merece uma atenção especial pelo currículo que Cortez desenvolveu ao longo de toda sua vida trabalhando com quadrinhos, fazendo centenas de capas para revistas como "Terror Negro", da editora La Selva, tiras para o jornal Diário da Noite, e contribuições na produção de diversos títulos de humor impulsionados pelas figuras célebres do cinema da época, como Oscarito e o Grande Otelo. Além disso, Cortez participou ativamente da montagem da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, em 1951 na cidade de São Paulo, ao lado de muitos outros admiradores e profissionais da arte sequencial que até hoje são lembrados pelo papel desempenhado na divulgação da nona arte no país, como Alvaro de Moya e Miguel Penteado.


Will Eisner e Cortez

No blog que o homenageia, é possível ver muitas fotos dele ao lado de seus colegas de profissão e não demora muito para que se perceba o quanto sua participação no meio artístico da época era algo importante para o mercado nacional. Não é, portanto, grande surpresa que, em 2009, foi inaugurada a Gibiteca Jayme Cortez para lembrar a memória do artista na cidade onde morou grande parte de sua vida, em São Paulo.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

NÃO ENTRE EM PÂNICO!

Por Gabriel Guimarães


Se você viu ou é uma pessoa que carregou sua toalha fielmente sobre seus ombros ou enrolada em sua testa neste dia, você já sabe do que se trata essa matéria. Para os que não compartilham dessa tradição, gostaria de dar uma breve explicação sobre o porquê de tamanha comoção nas redes sociais como Twitter e Facebook para algo que muitos pensariam ser um detalhe irrelevante no dia-a-dia dos grandes centros urbanos: o dia internacional da toalha.

O dia da toalha nada mais é que um símbolo, uma homenagem póstuma a um dos autores que mais marcaram o imaginário popular de uma tribo social que hoje se expande a passos largos ao redor do globo inteiro: os nerds. Não é por acidente, então, que hoje seja também chamado de dia do orgulho nerd. Para explicar as origens dessa comemoração, é preciso recordar o escritor britânico Douglas Adams, autor da "trilogia de cinco livros" do Guia do Mochileiro das Galáxias, obra de ficção científica cujo humor ácido e irônico em cima da estrutura social com que os humanos organizam seu viver a tornou um clássico para todos aqueles que a leram.

No dia 11 de maio de 2001, Douglas Adams faleceu em decorrência de um ataque cardíaco, e os fãs e admiradores do autor e de sua criação decidiram prestar sua homenagem duas semanas após, no dia 25 de maio (data do lançamento nos cinemas do primeiro filme da série Star Wars, em 1977), instituindo o dia internacional da toalha como uma referência ao ítem que teve tanto destaque nas obras de Adams. Para ele, a toalha é o bem mais útil do universo, uma vez que pode: ser usada como agasalho quando se atravessa luas frias; quando molhada vira uma arma de combate corpo a corpo; enrolada em torno da cabeça, pode proteger a pessoa de emanações tóxicas; servir para enxugar o corpo, caso esteja limpa; e, mais importante, dá a sensação de segurança psicológica ao mochileiro. Se um mochileiro a leva com ele, tem tudo de que precisa, como escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos, bússola, mapa, barbante, capa de chuva e traje espacial.

No ano passado, a UFRJ comemorou este dia com um evento especial que foi divulgado aqui no blog na época, porém, este ano, as comemorações se darão de forma mais organizada nos ambientes públicos ao redor do país. Para um cronograma preciso e bem detalhado de todas as festividades para o dia dos nerds, o site em inglês Towel Day é o lugar certo para você. Lá, você pode encontrar detalhes tanto de eventos acontecendo dentro do Brasil quanto de vários outros pontos no mundo, como Canadá, Austrália, Quênia e China. A organização é algo que me chamou muito a atenção.

Há ainda destaque para os concursos e promoções sendo feitas em cima da mitologia da série literária, principalmente o do grupo Jovem Nerd em parceria com a marca de informática CCE Info, que pode ser conferida aqui.

Portanto, deixo aqui meus mais sinceros desejos de um bom e feliz dia da toalha para todos os meus leitores e um profundo desejo de que seus sonhos possam se tornar realidade, contanto que não sejam ir almoçar no restaurante no fim do universo. Lá, está sempre lotado.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Lançamento de livro no Amapá

Por Gabriel Guimarães


No próximo dia 17 de junho, no Sesc Centro, em Amapá, será lançado o novo livro do professor Ivan Carlo Andrade de Oliveira, mais conhecido por seu pseudônimo literário Gian Danton, entitulado "O Roteiro nas Histórias em Quadrinhos".

Conhecido no mercado de quadrinhos pela sua graphic novel Manticore, que venceu os prêmios Ângelo Agostinni, HQ Mix e o prêmio da Associação Brasileira de Arte Fantástica, foi roteirista também de projetos em parceira com o talentoso desenhista Eugênio Colonnese. Além disso, escreveu vários livros teóricos sobre as histórias em quadrinhos, analisando as relações da obra Watchmen (também analisada em matéria aqui no blog há algum tempo), de Alan Moore e Dave Gibbons, e a teoria do caos; o laço entre a arte sequencial e a ciência; e um livro anterior a esse também sobre a produção de roteiros para quadrinhos. Os dois primeiros foram lançados pela mesma editora que publica essa sua nova obra, a editora Marca de Fantasia, já essa versão inicial sobre os roteiros de quadrinhos, foi publicada pela editora Popmídia em 2009.
Em 2010, Danton foi um dos profissionais de quadrinhos que participaram da criação do especial MSP+50, em que criou uma história do personagem de Maurício de Sousa, o Astronauta, em parceria com o cearense JJ Marreiro. Atualmente, ele é colaborador da revista MAD e de edições especiais da editora Escala e constante parceiro na criação de fanzines nacionais, além de escritor de contos premiado.

No evento do dia 17 de junho, Danton também estará vendendo e autografando no local outras de suas obras já publicadas, tanto de ficção quanto de estudo para introdução à metodologia científica. Para quem estiver por perto, vale a pena conferir.

sábado, 21 de maio de 2011

O Amor Está nos Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães

Desde a criação da Turma da Mônica há décadas, o desenhista paulistano Maurício de Sousa foi se consolidando no panorama nacional como o padrinho dos quadrinhos brasileiros, mostrando os usos possíveis para esse meio de comunicação que ainda se consolidava. Ao longo dos anos, os rostos de seus personagens estamparam campanhas a favor da alfabetização e do respeito às diferenças e contra atitudes de violência ou de bulying (tema hoje comum em qualquer discussão sobre a criação de crianças e jovens ao redor do mundo todo). Por mais tempo do que qualquer um poderia prever, sua criação se fez fator presente na formação de novas gerações de leitores, tornando-se parte do imaginário popular brasileiro quando associado às questões da juventude. Porém, como qualquer mercado de bem, as revistas desses personagens sofreram algumas quedas de vendas e de prestígio com o surgimento de novas mídias e a mudança na ênfase dada aos quadrinhos, ainda que os estúdios desse grande mestre tenham sempre se esforçado ao máximo para definir e adotar as mais recentes tendências que o público pudesse estar precisando.

Em 2008, ocorreu uma mudança de paradigma tão grande que poderia decretar o fim do sucesso caracterizado pela turminha de Cebolinha, Cascão e cia, ou então o seu renascimento para toda uma nova gama de leitores e admiradores da nona arte. Tomando como base algumas impressões que ele estava adquirindo nos últimos anos e informações sobre as mudanças de consumo de quadrinhos pelo público cuja faixa etária se desejava atingir, Maurício arriscou sua sorte no lançamento de uma versão repaginada dos seus clássicos e adorados personagens, no que veio a se tornar a Turma da Mônica Jovem.

Sei que já fiz uma matéria descrevendo o quanto esse evento representou para os quadrinhos na década aqui no blog antes, porém, o que venho a destacar neste dia é um acontecimento que trará muita repercussão para o futuro desses personagens. Por mais que tente se negar, todos os leitores sempre associaram os personagens da turma da Mônica em formas de casais, fosse devido à afinidade ou então a um relacionamento tão particular que não pode ser apenas mera amizade, e é dessa forma que o casal Mônica e Cebolinha teve sua concepção.

Nenhum garoto, por mais novo que seja, se esforçaria tanto para provocar uma garota se não houvesse por trás desse exterior de rivalidade um imenso sentimento de amor. Mesmo sendo surrado, ignorado e às vezes até tendo menos atenção do que os outros meninos da rua, Cebolinha sempre se manteve ao lado de Mônica, e sempre se dispôs a lutar quando fosse preciso, por ela. Sempre por ela.

Na edição número 4 da Turma da Mônica Jovem (diga-se de passagem, a edição que mais se vendeu na história do título), esse eterno romance platônico se consolidou na forma de um beijo, que preencheu a capa da edição e os corações e mentes dos leitores atuais e dos mais antigos da turminha. Entretanto, muito se passou depois disso e nada mais chegou a esse nível. Parecia que o amor tinha ficado em segundo plano e simplesmente fora deixado de lado. E é nesse panorama geral que, às vésperas do dia dos namorados, Maurício vem nos trazer a experiência máxima que tanto se esperou nos seus quadrinhos.

Na edição desse mês da revista, de número 34, que terá o lançamento antecipado por conta da enorme procura (dia 24 de maio sai em São Paulo, dia 25 no Rio de Janeiro e dia 26 nas demais partes do país), Cebolinha, depois de tanto sofrer nas mãos da garota de vestidinho vermelho e dentes "destacados", decide pedir Mônica em namoro, dando assim o próximo passo na relação dos dois e na forma do público se sentir conectado às histórias.

A procura pela edição, eu imagino, será colossal, e deve levar o título ao patamar de principal produto de quadrinhos vendido no bimestre maio/junho. Aos que admiram as histórias em quadrinhos tanto quanto eu, essa notícia não pode passar em branco, e merece um destaque imenso aqui no blog por tudo que a turma da Mônica já fez pela arte sequencial no Brasil e pela forma como a produção de quadrinhos brasileiros é vista no mundo, além, é claro, do quanto esses personagens significaram e ainda significam na vida de todos os leitores de quadrinhos no país. Portanto, fica aqui meu mais sincero agradecimento ao grande mestre que é Maurício de Sousa; minha mais pura admiração por toda a sua equipe de trabalho, que o auxilia todos os dias na produção das histórias da turminha, com destaque para o excelente editor e aficcionado da banda desenhada, Sidney Gusman; e um sentimento aqui para os leitores do meu blog: as crianças cresceram, tanto fisicamente (no caso, as filhas de Maurício que o motivaram a criar suas personagens) quanto ficcionalmente, e todos nós crescemos com elas. Hoje, elas dão mais um passo em direção ao futuro, à vida adulta que todos um dia passamos a ter, e momento este cuja transição nós jamais esquecemos pelo resto de nossas vidas quando se dá conosco. Agora, haverão dois momentos de transição a jamais serem esquecidos, duas vertentes, uma real e outra fantasiosa, a serem lembradas com todo carinho e admiração. Não deixe passar a oportunidade de guardar a sua edição desse momento antológico eternamente junto ao seu coração.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Reconhecimento Que Vale Ser Destacado

Por Gabriel Guimarães


Na última quinta-feira (12 de maio), ocorreu na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras) no largo do Arouche, SP, uma digna e muito bem recebida homenagem à maior figura dos quadrinhos brasileiros no mundo e patrono da nona arte no país, o criador da turminha da Mônica, Maurício de Sousa. Após décadas de dedicação e trabalho focado na divulgação, expansão e manutenção dos públicos de seus personagens, Maurício enfim tomou posse como membro do círculo mais respeitado de profissionais da literatura brasileira e se tornou o primeiro quadrinista a atingir tal posto.

É com grande orgulho que recebi essa notícia, e é com profundo e sincero desejo de voos cada vez mais altos para os projetos de Maurício que eu venho trazê-la aqui para o blog como um gesto de reconhecimento da arte sequencial no campo literário brasileiro. Desde que os quadrinhos começaram a ser publicados no Brasil, a luta pela valorização desse meio de comunicação tem sido muito discutida, destacando grandes nomes que lutavam a favor desse processo, como os editores Adolfo Aizen e Sérgio Machado e o escritor Gilberto Freyre, e gerando marcantes figuras de oposição, como Samuel Wainer e Orlando Dantas, que por muito tempo atacaram os quadrinhos como uma brecha para criticar seu maior rival do meio jornalístico, Roberto Marinho, dono do jornal O Globo e da Rio Gráfica-Editora (RGE).

Anos se passaram, muitos discursos foram feitos de ambos os lados, tentativas de sindicalização, da criação de um selo de ética válido, além de muitas e muitas estratégias de aproximação da nona arte com os valores da sociedade brasileira. Ainda assim, a resistência aos quadrinhos como forma de estímulo intelectual é algo muito discutido até hoje e ainda não é plenamente aceito. Espero que esse reconhecimento e homenagem ao grande autor que é Maurício de Sousa venha para trazer de novo à tona esse debate, para que enfim os quadrinhos possam ter o respeito e consideração que merecem, e seus admiradores o devido tratamento e reconhecimento.

O próprio Eloyr Pacheco (à esquerda) e Alvaro de Moya,
na palestra na Garagem Hermética

Além disso, gostaria de também destacar a homenagem que foi feita a um dos estudiosos brasileiros da arte sequencial que é talvez uma das maiores referências da área no país, o também paulista Alvaro de Moya, que já escreveu diversos livros sobre o assunto, dentre os quais "A História das Histórias em Quadrinhos", "Vapt-Vupt" e "Shazam", e que no último dia 13, teve seu nome dado a uma quadrinhoteca no Centro Cultural Eloyr Pacheco. Um dia depois, o autor participou de um debate com admiradores da nona arte na sede da Garagem Hermética, espaço multiuso do próprio Centro Cultural. Muitas pessoas estiveram presente e a procura pelo conhecido comunicador foi grande atrás de autógrafos.

Ao ver essas duas figuras de extrema importância para os quadrinhos no Brasil terem esse merecido reconhecimento e atraindo tanta atenção, fico muito feliz pensando no rumo dos quadrinhos. Podemos estar caminhando a passos não tão longos ainda para uma expansão dos quadrinhos como arte diante dos críticos e do público em geral, mas não estamos parados, e o movimento é essencial para que um dia possamos chegar a dias onde o respeito seja algo comum e o tratamento entre os meios de comunicação se dê de forma igualitária. Pode ser apenas um sonho, um ideal, almejar tanto, mas não vamos parar de lutar até que esse sonho se torne realidade, porque a realidade nada mais é que fruto dos sonhos de quem veio antes de nós, e jamais podemos esquecer isso.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Nanquim Descartável, Talento Inestimável

Por Gabriel Guimarães


Semana passada, tive o imenso prazer de poder ler uma obra que já estava há algum tempo na minha lista de desejos. A HQ independente "Nanquim Descartável", produzida desde 2007, chegou à sua quarta edição em um formato especial, direto para as livrarias com 96 páginas de ótimas histórias e não tem como eu não comentar um pouco sobre esse projeto nacional de quadrinhos que deu extremamente certo.

Criação do roteirista Daniel Esteves, as histórias das personagens Ju, Sandra e do mulherengo Tuba já foram desenhadas por uma série de talentosíssimos desenhistas brasileiros, dentre os quais Mário Cau (autor da HQ "Nós - Dream Sequence Revisited", cujo lançamento foi anunciado aqui no blog antes e cujo site pessoal pode ser visto aqui) e Julio Brilha, cujos experimentos com o formato de narrativa dos quadrinhos são realmente uma obra de arte. Falando em um tom de diálogo com o leitor, todos os capítulos da história são envolventes e mostram todas as dificuldades que os relacionamentos que construímos ao longo de nossas vidas nos afetam, uns mais do que outros, naturalmente.

Seja pela indecisão, por insegurança ou pelo simples desejo de não esquecer as boas memórias que se teve com uma pessoa amada, "Nanquim Descartável" trata principalmente dessa encruzilhada dos personagens de uma forma descontraída, sincera e sensível. Sem se conter, a história mostra conflitos que são reais e que, ainda que inexplicáveis pela racionalidade lógica, acontecem com cada um de nós. A qualidade do roteiro é ótima e os desenhos acompanham a sequência de eventos de forma precisa, dando o tom de cada cena de acordo com o que a cena representa em si. A edição com certeza figurará na minha coleção de bons quadrinhos para se ler, e a minha recomendação aqui é clara.
Além desse tom sentimental da história, a HQ tem uma quantidade de elementos metalinguísticos muito grande pelo fato de seus personagens serem aspirantes a profissionais dos quadrinhos, tal qual as pessoas que fizeram a história, e, através dessa característica, mostra um pouco o processo de criação e edição necessários para se montar uma história em quadrinhos num dos grandes centros urbanos do Brasil que é a cidade de São Paulo, onde é ambientada a história.

Em novembro do ano passado, tive o grande prazer de conhecer alguns dos responsáveis pela criação e publicação desse material na Rio Comicon (que teve cobertura completa aqui no blog, inclusive das oficinas ministradas por essa galera) e foi um imenso prazer ver que há gente capaz de fazer quadrinhos de extrema qualidade lutando para conseguir mostrar seu trabalho em meio a esse mercado tão concorrido que é o de quadrinhos no Brasil. Os selos nacionais "HQ em Foco", "Balão Editorial" e "Quarto Mundo" também merecem uma grande menção aqui pelo trabalho que vêm realizando na promoção dos quadrinhos brasileiros e espero, honestamente, ouvir cada vez mais de conquistas de cada uma delas no futuro.

NOTA GERAL: 4,5 estrelas.

domingo, 1 de maio de 2011

Cidadão Kent?

Por Gabriel Guimarães


Essa semana ocorreu um fato no mínimo inusitado na edição que homenageava o personagem da DC, Superman, que chegava à sua 900ª edição no título onde surgiu inicialmente em 1938. A edição consistia de histórias curtas envolvendo o personagem, junto à conclusão de uma trama que se desenrolava há algumas edições no título. Juntando colaborações de roteiristas conhecidos do meio, como Richard Donner, que escreveu os filmes originais do Homem de Aço estrelados por Christopher Reeve, e Damon Lindelof, um dos criadores da série que revolucionou a televisão e seus suportes, LOST, a edição da Action Comics #900 prometia ser uma avassaladora representante na lista de revistas mais vendidas do mês nos Estados Unidos. Entretanto, em uma das curtas homenagens, escrita por David Goyer, roteirista dos dois mais recentes filmes do Batman e do próximo filme do próprio Superman, e ilustrada por Miguel Sepuvelda, o personagem aparece de uma forma que acredito que ninguém esperava vê-lo.

Considerado o grande símbolo dos ideais norte-americanos no mundo todo, o Homem de Aço parte em defesa de forma pacífica do povo iraniano contra o opressor presidente do país, que estava causando massacres de civis nas ruas, porém, a autoridade do herói é questionada por se tratar de uma nação que não obedece às leis dos Estados Unidos, portanto, o personagem estaria fora de sua jurisdição, o que leva o grande herói kryptoniano a discutir com o assesor de segurança do presidente americano, Gabriel Wright, e, então, tomar a decisão de renunciar à sua cidadania estadunidense para não ter que dar satisfações ou ter sua autoridade contestada. Simples assim.

Era mais do que óbvio que isso acarretaria em uma enxurrada de comentários e críticas, dos leitores habituais de revista e dos demais meios de comunicação, que adoram polemizar alguns eventos que envolvem os principais personagens dos quadrinhos, como foi o caso da saga "A Morte do Superman", na década de 1990, e das recentes mortes do Batman e do Capitão América (discutir a avacalhação que isso se tornou é algo para se fazer outro dia, o foco aqui é outro). Alternando entre os dois principais argumentos,: o Superman fez isso apenas para expressar que todo seu poder não pode ficar limitado aos limites geográficos de uma só nação; e o personagem é um elemento mítico da cultura norte-americana e não podem permitir que façam isso com ele; os debates alcançaram canais de televisão como a conservadora Fox News, jornais como o New York Post e os twitters de diversos autores, que se dividiram quanto à questão.

A história não tem nem a garantia de que seja algo a ser levado em consideração numa eventual cronologia do personagem, e, portanto, pode nem ter qualquer importância em si, porém, acabou exigindo muito esforço dos profissionais da editora, como Dan Didio e Jim Lee, para contornar a situação e evitar maiores desgastes com a imprensa. Segundo eles, "O Superman é um visitante de um planeta distante que há muito abraçou os valores dos EUA. Como personagem e como ícone, ele incorpora o melhor do Modo de Vida Americano. Em uma história curta na revista Action Comics 900, ele renuncia à sua cidadania para dar um foco global à sua batalha que nunca termina. Mas ele permanece, como sempre, comprometido com seu lar adotivo e suas raízes, como um garoto fazendeiro do Kansas vindo de Smallville".
  
Esse evento todo ao redor de uma singular história realmente merece um certo questionamento quanto aos limites da imagem do mito e do seu papel na cultura de uma nação, ainda que, atualmente, o que mais se veja sendo feito é uma desvirtualização da sociedade e um crescente sentimento de ceticismo  no cotidiano das grandes metrópoles. Como símbolo americano, o Superman reuniu jovens e ensinou a importância de ter bons valores, porém, atualmente não é nada fácil ver qualquer lição por ele ensinada sendo posta em prática de forma propriamente dita. Então, a pergunta que fica é: Toda essa defesa do ícone do S é pela manutenção da importância do personagem na formação de gerações dos leitores americanos ou meramente uma formalidade para fingir um falso moralismo em meio a um momento que os Estados Unidos tentam manter sua credibilidade depois de tantos erros cometidos na gerência Bush? Acho que seria o momento para uma reflexão séria e avaliar quais as perguntas que realmente deveriam estar sendo feitas aqui e quais perseguições um tanto irracionais deveriam ser evitadas.

Além disso, um outro fato nesse imbróglio chamou muito minha atenção. O editor da Marvel Comics, Steven Whacker, que trabalhou com o Homem-Aranha logo após o polêmico arco "Mais Um Dia" e com o Demolidor na saga "Shadowland", recebeu vários e-mails enfurecidos criticando a postura com o Superman, sendo que o personagem sequer é da editora onde Whacker trabalha. Ou seja, há mais gente reclamando do que lendo de fato o material que está sendo tão criticado. O desconhecimento frente às disponibilidades técnicas dos dias atuais sobre um elemento da indústria do entretenimento que está constantemente sendo veiculado nas mídias digitais não mais serve como uma desculpa aceitável, e esse ato apenas demonstra que antes de se criticar algo, deve-se pesquisar bastante a fundo o que se quer criticar antes, para que os argumentos sejam válidos e, da discussão, surja uma via para se seguir que permita reais melhorias dos dois lados, tanto para os produtores dos quadrinhos, como para seus leitores. Esperemos para ver qual será a reação do povo brasileiro quando a história chegar aqui.