quinta-feira, 28 de julho de 2011

Meta Cumprida

Por Gabriel Guimarães


Ilustração do quadrinista mineiro Vitor Cafaggi, que acredito
representar muito bem o quanto procuramos expandir
o conceito de histórias em quadrinhos através da diversidade
de matérias e artigos

Após um momento de pausa, enquanto eram procurados os meios para viabilizar o teor dessa matéria e da próxima para o blog Quadrinhos Pra Quem Gosta, é com grande orgulho que venho trazer ao conhecimento do público que a meta estabelecida para o blog neste ano acaba de ser cumprida, ao passo que esta é a 50ª matéria produzida no ano de 2011.

Este ano foi cenário de muita repercussão positiva, tanto para o blog, como para os quadrinhos como um todo, e isso se deve principalmente a vocês, leitores. Pois, parafraseando uma amiga, "é graças ao carinho e apoio dos leitores que sinto motivação para continuar escrevendo." Isso não poderia ser verdade maior.


Com todo o carinho e atenção que obtive nestes sete meses desde que o ano começou, acredito ter conseguido expandir muito meus horizontes como admirador da arte sequencial, e espero, no âmago do meu ser, ter dado um pouco do que todos vocês, meus leitores, merecem receber: reconhecimento, respeito, atenção e conhecimento.

Sem essa troca de informações que é feita por todas as vias de comunicação possíveis, nada disso teria sido possível, e é, através dessa matéria, que venho agradecê-los pelo seu apoio e pela sua atenção ao longo de todo esse tempo.

Entretanto, nenhuma comemoração se dá através de apenas um mero discurso de agradecimento, e é pelo que venho comunicar a seguir que tanto foi custeado tempo para essa matéria ser escrita: na próxima postagem, o blog alcançará a marca de 100 matérias ao longo de toda a sua história, desde sua criação em setembro de 2008, e tal acontecimento não poderia passar em branco. É por essa razão que, com a parceria da gráfica Alvolaser (localizada na rua Fonseca Teles, nº19, no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ), estarei dando início ao concurso cultural "Quadrinhos Pra Quem Gosta" na próxima matéria, que premiará alguns de vocês que ajudaram tanto no crescimento do blog. Os detalhes sobre esse evento serão dados de forma mais detalhada futuramente, porém, fiquem atentos a qualquer novidade que possa ser dada pelo twitter @GGMF e pelo mais novo canal de comunicação conosco, o twitter oficial do blog, @QuadrPraQmGosta.

Mais uma vez, obrigado pelo apoio de todos, e muitos quadrinhos pra vocês!

terça-feira, 19 de julho de 2011

Entrevista: Guilherme Kroll

Por Gabriel Guimarães
  
A matéria de hoje marca uma estreia para o blog Quadrinhos Pra Quem Gosta. Normalmente, sempre procuramos falar sobre todas as nuances das histórias em quadrinhos e o papel destas na formação social de cada um, porém, sempre procuramos enfatizar que todas essas experiências não seriam possíveis sem a participação mais do que ativa de certos profissionais do meio, que trabalham incessantemente, movidos pela paixão à arte sequencial.

E, neste dia, para mostrar um pouco dessa perspectiva que influencia tantas pessoas ao redor de todo o Brasil, tenho o prazer de anunciar a primeira entrevista realizada pelo blog, feita com o grande editor e um dos fundadores da Balão Editorial, Guilherme Kroll, que esteve diretamente envolvido em diversos projetos da nona arte, que vão desde obras autorais, como "Nós", do quadrinista Mario Cau (cujo lançamento foi comentado antes aqui no blog), até coletâneas de tirinhas, como "Os Passarinhos", de Estevão Ribeiro.

QUADRINHOS PRA QUEM GOSTA: Em primeiro lugar, muito obrigado por nos conceder essa entrevista. Sabemos o quanto a vida de editor é ocupada, e, por isso, agradecemos sinceramente pela sua disponibilidade.

GUILHERME KROLL: É um grande prazer para mim receber vocês. É sempre importante para os editores terem esse contato com o público.

Como é o processo de produção dos livros feitos por você na Balão Editorial, depois que o original já foi aprovado e finalizado?
Temos um longo processo de aprovação e finalização do trabalho original. Depois disso, trabalhamos da seguinte maneira: o copydesque acontece antes, durante a finalização do original, então, o texto passa por uma preparação. Se for uma HQ, durante esta etapa, levantamos possíveis ajustes que precisem ser pedidos ao desenhista. Se for um livro ilustrado, fazemos o briefing das ilustrações nessa etapa também. Finalizado esse processo de preparação, o livro vai para projeto gráfico e diagramação. Depois, revisão, emendas, segunda revisão, e fechamento de arquivos.

Quais as principais dificuldades ou etapas mais complicadas no processo de produção como um todo?
A maior dificuldade é a impressão mesmo. Garantir que a gráfica fará um bom trabalho é difícil, especialmente em impressões fora de São Paulo. Aqui em São Paulo, podemos acompanhar as impressões, e o resultado tende a ser melhor.
Guilherme na Rio Comicon 2010
(que teve cobertura completa
aqui no blog)

Quem decide as especificações técnicas do livro (formato, gramatura, etc)? Isso é definido de antemão ou é algo feito ao longo do processo?
A editora de arte que define isso, muitas vezes em acordo com o autor. Geralmente isso é definido quando o original já está pronto, mas pode variar durante o processo. Custos gráficos influenciam muito nisso.


Tirando o desenho da capa, que costuma ser do próprio autor dos quadrinhos publicados no miolo, o design dela é de autoria do autor também ou é algo feito por terceiros? Caso seja por terceiros, como se dá essa escolha do responsável pelo design da capa?
Novamente, o design da capa é feito pelo autor em acordo com a editora de arte. Caso não seja feito pelo autor, a nossa editora de arte, Natália Tudrey, é quem assina as capas.

A Balão Editorial trabalha mais com trabalho terceirizado ou possui uma equipe fixa?
Temos uma equipe fixa interna, mas ocasionalmente passamos trabalhos para terceiros.
  
Alguns trechos da obra "Nós",
 publicada por Guilherme

Você faz o acompanhamento gráfico de todas as etapas de produção junto aos autores? Como isso é feito?
Muitos autores chegam com o original já pronto. Nesses casos, não. Mas quando acompanhamos desde o começo, vemos rafes, projetos, enfim, tudo que permeia a pré-produção das HQs, sugerindo mudanças quando necessário.

Depois que o original já está entregue para acabamento, o autor tem algum contato com as etapas anteriores à distribuição e venda do produto? Caso ele deseje modificar algo, existe essa possibilidade?
Geralmente, não. Mandamos uma prova final para ele aprovar, mas, fora isso, tudo fica no nosso controle. Se o autor quiser mudar algo, ele manda uma solicitação e procuramos viabilizar a mudança.

Como você vê o mercado editorial hoje, a respeito do livro como produto?
O mercado editorial está em um período nebuloso. O produto livro tem diversas possibilidades e tanto leitores quanto editores estão descobrindo novos caminhos para esse material. Creio que, em dois ou três anos, saberemos o que pode mudar após a onda de e-readers, tablets e pirataria digital.


Qual sua opinião sobre o surgimento do e-book?
Acho o e-book um produto muito interessante, tem diversas vantagens em relação ao impresso, mas muitas desvantagens também. A principal vantagem, ao meu ver, é o espaço. Um arquivo eletrônico não ocupa nada na sua casa, enquanto um livro precisa de uma estante. Num mundo com cada vez menos espaço, isso fará diferença. Entretanto, você não pode esperar que o consumidor vá pagar o mesmo valor pelo arquivo que pelo produto impresso, que tem muito mais custos. Pensando nisso, nós colocamos nossos e-books a um preço mais acessível que os livros impressos, para estimular o leitor a comprá-los.

Imagem de "Os Passarinhos"
Sei que vocês já produziram os álbuns “Entrequadros – A Walk on The Wild Side”, “Os Passarinhos” e “Sombras e Sonhos” no formato e-book, que já estão disponíveis na loja eletrônica da Gato Sabido. Poderia dizer suas observações quanto a esse processo?
O processo é um pouco complicado, demanda saber converter os arquivos em um formato novo chamado e-pub. Em livros como o “Entrequadros – A Walk on The Wild Side”, isso não foi possível, e tivemos que colocar em PDF. A criptografia do arquivo é feita via DRM pela própria Gato Sabido.


A Balão Editorial tem alguma perspectiva de utilizar mais vezes o formato e-book em breve? Como você vê o futuro da editora com relação a esse mercado eletrônico que tende a crescer cada vez mais?
Pretendemos lançar todo o nosso catálogo em e-book e lançar alguns novos livros apenas em e-book, numa fase de testes. Esperamos que as vendas cresçam nos próximos anos e vamos investir nisso.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

#MSPnovos50

Por Gabriel Guimarães

  
Sidney Gusman e Maurício de Sousa

Hoje à tarde, depois de várias semanas de ativo contato com todo o público de quadrinhos, o editor Sidney Gusman encerrou um evento que marcou tanto uma homenagem ao grande profissional de quadrinhos brasileiros Maurício de Sousa, quanto uma experiência inesquecível para os leitores de anos das histórias criadas pelos participantes desse projeto. Iniciado em 2009, a publicação do livro MSP50 gerou grandes mudanças na forma como um lançamento de quadrinhos era administrado. Composto por uma série de homenagens aos personagens criados por Maurício nos seus 50 anos de carreira como quadrinista, o livro mostrava um pouco do quanto as aventuras da turminha da Mônica influenciaram na vida de artistas renomados e consagrados em território nacional e pelo mundo afora. Neste projeto, tomaram parte diversos talentosos artistas como Ivan Reis, Erica Awano, Fábio Lyra, os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (cujo reconhecimento internacional já foi comentado aqui no blog), Renato Guedes, Spacca, Ziraldo, Vitor Cafaggi (cujo trabalho já foi destacado aqui no blog antes, também), Benett, Angeli, Daniel Brandão, entre tantos outros.

Compreendendo profissionais na arte de encantar as multidões através da união entre a imagem e a palavra escrita, encontrada de forma única nos quadrinhos, de ao redor do Brasil inteiro, esse projeto movimentou todo o mercado editorial brasileiro em proporções incríveis, e gerou uma intimidade entre o grupo produtor das histórias e seus leitores como nunca se vira antes.

Não foi por pouca motivação, então, que um ano depois desse livro, surgiu um clamor por uma segunda edição, com outros artistas que também desejavam prestar respeito e carinho pelos personagens de Maurício, e, assim, surgiu a segunda parte desse projeto: o livro MSP+50. Mantendo o alto nível do primeiro volume, dessa vez, o livro trazia materiais produzidos por Rafael Albuquerque, Roger Cruz, Gian Danton (cuja obra já foi comentada aqui antes), JJ Marreiro, Mario Cau, Fernanda Chiella, Diogo Saito, Iotti, Allan Sieber, Rogério Vilela, Danilo Beyruth, dentre muitos.

  
Imagem da turminha feita por Mario Cau no MSP+50

E repetindo o sucesso impressionante do primeiro, a procura pela obra atarvessou estados e onde quer que estes profissionais dos quadrinhos envolvidos no projeto ou até o próprio Maurício de Sousa se apresentavam diante do público, sempre ali havia alguém com esses volumes em mãos, aguardando por tê-los marcados por aqueles que lhe renderam tanta satisfação e emoção.

  
Turma da Mônica Jovem no traço da desenhista Roberta Pares

Neste último ano, o grande editor responsável pelo projeto como um todo e pelo contato com todas as partes envolvidas, Sidney Gusman, esteve correndo atrás dos mais novos interessados em imortalizar seu trabalho nos personagens do bairro do Limoeiro e afins, e, para retribuir a procura e a dedicação que o público teve com as duas primeiras partes desse grande marco nos quadrinhos brasileiros, passou a realizar todas as sextas-feiras desde 13 de maio o que ficou conhecido na rede social Twitter como os "Preview Days". No primeiro momento, inclusive, a hashtag sobre o projeto alcançou os tópicos mais comentados nas contas de twitter no Brasil, o que foi um cartão de apresentação fantástico sobre até onde poderia chegar.


A cada sexta, após as 17 horas, Gusman passou a disponibilizar teasers dos materiais que comporão a terceira e última parte dessa merecida homenagem ao padrinho da arte sequencial no país, o que gerou uma comoção impressionante do público leitor. A expectativa com o final da semana passou a se concentrar cada vez mais em torno da liberação dos nomes dos envolvidos no projeto, e a divulgação feita nas mídias sociais pelo próprio público leitor foi algo simplesmente impressionante e jamais visto nessas proporções no Brasil. 

Anjinho no traço do paraibano
Mike Deodato Jr, que abriu o projeto
Ao longo desse tempo, foram divulgados trabalhos de profissionais altamente capacitados e habilidosos, como Will Leite (que já foi mencionado antes aqui no blog sobre a evolução dos quadrinhos na internet), Mike Deodato Jr, Roberta Pares, Marcelo Cássaro, Ed Benes, Shiko, Sam Hart, Paulo Visgueiro, Celso Menezes, Felipe Massafera, entre muitos outros, o que por si só já fez gerar uma imensa expectativa com o resultado final desse trabalho, mas o principal desse projeto, que não esteve talvez em foco no primeiro momento em que ele foi gerado, em 2009, foi a revolução no contato entre os profissionais produtores e o público leitor. O calor do reconhecimento e do respeito vindo do público passou a ser muito mais sentido pelos artistas. O contato entre as partes hoje está muito mais próximo, e ao invés de ser marcado por críticas a essa ou aquela abordagem dada a um personagem, como é mais comum de se ver, hoje está marcada pelo carinho e pela admiração.
A Turminha no estilo impressionante de Felipe
Massafera foi a conclusão dessa impressionante
estratégia de interatividade com o público
Foram 10 semanas, 9 Preview Days. É impressionante que em tão pouco tempo, tanto tenha sido conquistado. Fica aqui, portanto, o mais sincero agradecimento ao grande editor Sidney Gusman e sua formidável equipe de profissionais altamente qualificados, com destaque também para o boníssimo Flávio Jesus, por toda essa experiência para o público de quadrinhos. Com certeza, esse convívio foi algo extremamente marcante para todos os envolvidos, e jamais será esquecido.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Quadrinhos e Música

Por Gabriel Guimarães

Foto do evento Live Aid, de 1985

Em 13 de julho de 1985, o compositor e músico irlandês Bob Geldof, a fim de criar uma sensibilização mundial para a luta contra a fome na Etiópia, organizou o evento Live Aid, que consistiu em um show de astros da música mundial que ocorreu simultaneamente em Londres, na Inglaterra, e na Filadélfia, nos Estados Unidos. Transmitido pelo conglomerado da indústria da comunicação BBC, o evento abriu os olhos do mundo para a miséria no continente africano e representou um marco pela mobilização que promoveu. Vinte anos depois, em 2005, Geldof organizou neste mesmo dia um outro evento, o Live 8, que visava influenciar os líderes do G8 (grupo composto pelos oito países mais industrializados e socialmente desenvolvidos do mundo) para que perdoassem a dívida externa dos países mais pobres. Desde então, o dia ficou conhecido internacionalmente como o dia mundial do rock.

No que se trata dos meios de comunicação em si, a música e os quadrinhos realmente não têm uma relação tão clara, uma vez que a música depende muito do sentido da audição, que é quase inexistente na leitura dos quadrinhos. Porém, o caminho dos dois já se cruzou muitas vezes, gerando bons frutos para o público em geral. Uma vez que todo criador realiza uma união de referências acumuladas ao longo de sua própria experiência pessoal, a música não poderia deixar de ser uma fonte inesgotável e abundantemente usada para esse processo. E isso também acontece na outra via de referência.

Apesar de ser mais comum encontrar materiais de arte sequencial que abordem a música a partir do ponto de vista biográfico de determinados artistas, como são os casos da belíssima graphic novel alemã "Cash - Uma Biografia", de Reinhard Kleist, publicado aqui no Brasil pela editora 8 Inverso, e a série mais curta produzida para os admiradores das bandas e músicos mais recentes do momento pela editora Bluewater; há casos também em que a música passa a ser quase um personagem tão importante quanto os protagonistas da história, como na HQ "Xampu Lovely Losers" do brasileiro Roger Cruz, ou até no destaque de vendas "Scott Pilgrim Contra o Mundo", do canadense Bryan Lee O'Malley.

No outro sentido, exemplos também não faltam, e músicas como "I'm no Superman", do artista Lazlo Bane, e "Festa na Casa do Bolinha", dos brasileiros Erasmo e Roberto Carlos (que já foi mencionada aqui no blog antes), mostram isso com muita facilidade. Bandas também conquistaram muito sucesso a partir do uso de suas músicas no tema de desenhos animados produzidos a partir de quadrinhos, como é extremamente comum no Japão.

Essa relação está longe de acabar, e cada dia mostra que as diferenças podem ser muitas entre esses dois meios de comunicação, mas que, onde se quer unir dois elementos tão comuns nos corações de quem cria, seja letras, composições ou quadrinhos, não há obstáculos que impeçam o surgimento de algo grandioso.

sábado, 9 de julho de 2011

Sem Medo?

Por Gabriel Guimarães


Apesar de estar presente entre os super heróis mais poderosos do universo DC, o Lanterna Verde Hal Jordan tem sua verdadeira essência, aquilo que lhe faz ser tão admirado pelos seus leitores recorrentes, não no seu anel, que lhe permite fazer tudo que sua mente desejar, numa abordagem moderna para a lâmpada do clássico personagem literário Aladin, mas sim em sua força de vontade humana, que é justamente o que lhe permite todos os feitos enquanto empunha a arma mais poderosa do universo.

A história de Jordan não é tão conhecida como a de Bruce Wayne ao virar Batman ou a de Clark Kent ao se tornar Superman, porém, de modo alguma, é menos incrível e essencial para se compreender o personagem, suas motivações e sua verdadeira força. Ainda criança, Jordan testemunhou o acidente que causou a morte de seu pai, piloto de testes da Aeronáutica Ferris, num ato de coragem para afastar o avião que pilotava da multidão. Aquele momento definiu a escolha de Jordan como Lanterna, tantos anos antes do moribundo Abin Sur cair com sua nave no meio do deserto norte-americano e mandar seu anel encontrar o ser naquele setor espacial que mereceria ostentar com honra o símbolo da Tropa dos Lanternas Verdes em seu peito e em sua mão.

Para compreender a razão de tamanha importância daquele momento, é preciso conhecer a história da Tropa. Organizada pelos Guardiões, a raça mais antiga do universo, a fim de patrulhar todo o cosmos com o propósito de assegurar a ordem e a paz, a Tropa dos Lanternas Verdes é composta por 3600 membros, um para cada setor espacial, conforme divisão feita pelos seus mestres. Para usar o anel, há requisitos essenciais, dentre os quais, o mais importante é a capacidade de superar o medo, algo que aquele momento tão jovem ainda na vida de Jordan lhe garantiu. Conforme o próprio Hal diz na história "Lanterna Verde: Renascimento",: "Quando o pior de todos os temores acontece diante dos seus olhos, não resta mais nada do que se ter medo."


Eis aí a essência do personagem. Para adentrar em seu universo, seria preciso explicar a origem da Bateria Central de Oa, planeta dos Guardiões, a essência do arqui-inimigo de Jordan, o korugariano T'aal Sinestro, e o ser que era a razão da clássica fraqueza do anel dos Lanternas Verdes contra a cor amarela, Parallax. Porém, acredito que estes pontos sejam um tanto quanto um desvio do tema principal dessa matéria, no momento.

Na última década, a partir de uma estratégia muito bem implementada pela editora DC, o roteirista Geoff Johns revitalizou o personagem de uma forma brilhante mesclando questões ligadas à atualidade dos leitores de quadrinhos às tradições das revistas do personagem publicadas ao longo de décadas desde seu surgimento (conforme já destaquei em matéria aqui no blog). O sucesso foi estrondoso, rendendo muita atenção para toda a mitologia por trás dos Lanternas Verdes e alavancou as vendas dos títulos ligados a ele num nível que poucos poderiam imaginar. Observando esse crescimento da procura por ele, a DC começou a investir na produção de um filme para o personagem (a relação entre a nona arte e o cinema também já foi abordada aqui no blog antes), além de uma série de produções em desenho animado direto para DVD a fim de motivar o público e aquecê-lo para a grande obra nas telas de cinema (uma dessas produções foi analisada também em matéria aqui no blog antes).

 
Howard Murphy como Lanterna
Verde em 1979

Entretanto, todos esses investimentos para a propaganda do personagem não foram algo tão inovador com relação à sua aparição em outras mídias fora dos quadrinhos. Presente em séries de desenho animado desde 1967, Hal Jordan sempre lutou contra o mal de todas as formas que podia, usando de construtos de seu anel que iam do bizarro ao extraordinário. Porém, foi só em 1979 que ele foi interpretado pela primeira vez em carne e osso, pelo ator Howard Murphy no especial para a televisão americana "Legends of the Superheroes", onde o personagem tinha seus poderes roubados por um grupo de supervilões composto por inimigos de vários dos heróis da Liga da Justiça. Curiosamente, essa trama foi construída para que a rede não precisasse gastar muito com efeitos especiais e ainda assim a história parecesse plausível. Anos mais tarde, em 1997, novamente o Lanterna foi personificado por um outro ator, Matthew Settle, que, porém, interpretava Guy Gardner, outro terráqueo Lanterna, no filme "Liga da Justiça da América", baseado na fase humorística que a Liga tinha vivido recentemente pelas mãos de Keith Giffen e J. M. DeMatteis. Diga-se de passagem que Hal se livrou por pouco de ser motivo de piada até os dias de hoje com essa mudança na escalação do anel naquele momento.

Vale aqui uma nota para o excelente trabalho de pesquisa e organização feito pelo blog Pipoca e Nanquim sobre o histórico do personagem antes de seu filme, que pode ser observado tanto no endereço eletrônico deles quanto no seu livro "Quadrinhos no Cinema", publicado pela editora Generale.

Como foi dito anteriormente, a atenção que o personagem vem recebendo nos últimos anos motivou a DC a investir novamente numa encarnação do herói, dessa vez, para um filme de longa duração a ser exibido nas salas de cinema ao redor do mundo inteiro, e o resultado disso poderá ser visto dia 19 de agosto aqui no Brasil no filme "Lanterna Verde", estrelado pelo ator Ryan Reynolds, mais conhecido pelos seus papéis em filmes de comédia, mas que, porém, tem capacidade para protagonizar boas cenas de ação.

É, então, que chegamos ao tema da matéria de hoje. Consegui recentemente um acesso a esse filme, que será lançado aqui mês que vem, o assisti, e venho aqui dar alguns comentários sobre minhas impressões que podem ser observadas durante o filme (há algum tempo atrás, fiz duas matérias que já visavam comentar sobre o andamento do projeto desse filme que podem ser vistas aqui e aqui no blog). A fim de garantir o direito de cada leitor para tomar conhecimento até onde ele próprio decidir, alerto que a partir deste momento, estarei comentando sobre partes do filme e que a decisão de ler o que vem em seguida deve partir única e exclusivamente de cada leitor (já fiz uma matéria sobre essa questão do spoiler que pode ser vista aqui no blog, também).


ALERTA: SPOILER




Visando mostrar o momento em que Hal Jordan recebe o anel da Tropa e se torna o Lanterna Verde responsável pelo setor espacial 2814, o filme inicia destacando o confronto entre Abin Sur e Parallax. Apesar do altíssimo investimento em efeitos visuais no filme, o vilão não consegue lembrar tanto sua figura nos quadrinhos, entretanto. Além disso, sua origem e a razão de este ter desejo pela destruição dos Guardiões são extremamente diferentes dos que existem nos quadrinhos. Enquanto nos quadrinhos, ele é aprisionado na Bateria Central de Oa para que seja contido, causando assim a impureza amarela, no filme, Parallax é inicialmente utilizado como forma de dar mais poder à Tropa dos Lanternas Verdes, uma vez que a luz verde não seria tão capaz de muní-los ao redor de todo o universo, o que acredito ser uma justificativa deveras fraca e que reduz aquilo que a força de vontade por trás da história dos Lanternas Verdes a algo insignificante.

Quando o filme chega à Jordan, vivido por Reynolds, vemos que este é um irresponsável de marca maior, que, porém, possuí uma característica que, em hipótese alguma poderia ter,: medo. O Jordan dos quadrinhos pode ser irresponsável, porém, tem um senso de luta muito grande. A morte de seu pai o entristece, porém, também lhe dá forças. O exemplo de seu pai é um dos elementos que mais o motiva a fazer tudo que faz, não fosse por isso, com certeza, Hal não teria se tornado piloto de testes, seguindo o seu legado. No filme, a abordagem do momento da morte de figura tão importante é feito de forma extremamente trivial e convencional demais, e os efeitos deste momento em Jordan, também.

Para que não seja tão criticada assim as atuações do elenco de atores, o roteiro do filme possui largas falhas estruturais e demonstra uma superficialidade excessiva em momentos que deveriam ser mais aprofundados. Diferente do trabalho excelente que em sendo realizado pelo diretor Christopher Nolan no Batman, o filme do Lanterna, infelizmente, não acerta no tom que é dado à película, adotando em muitos momentos estilos próximos ao cômico ou ao clássico de heróis e personagens sem sal.

Continuando, o filme tem uma quantidade de efeitos especiais bastante numerosa, porém, a qualidade destes não consegue agradar tanto assim a vista. Muitos dos demais membros da Tropa mostrados nas cenas em Oa poderiam ficar melhor se utilizassem processo similar ao realizado em filmes como "MIB - Homens de Preto", apesar de que há exceções para isso. As representações feitas de Abin Sur, Kilowog e Tomar-Re estão muito bem trabalhadas e com um nível de detalhamento fantástico. A forma como o traje dos Lanternas se adapta à fisiologia específica de cada raça que o usa também está muito bem mostrada, e merece destaque por isso. O traje que Jordan usa, todavia, não agrada tanto, e poderia ter sido melhor desenhado.


Peter Sarsgaard como Hector Hammond,
um dos grandes destaques do filme


Um dos personagens que realmente chamou a atenção, porém, foi o vilão Hector Hammond. Apesar de estar em um contexto diferenete dos quadrinhos, uma vez que, no filme, ele é um professor de biologia, enquanto nos quadrinhos, era um cientista especializado em astrofísica, o personagem realmente ganha vida na história, e a atuação de Peter Sarsgaard dá um toque especial nisso. Este ponto merecia ser comentado.



Dois outros pontos que merecem ser comentados aqui são a participação da manda-chuva Amanda Waller, bastante abaixo do padrão que criou na série de desenho animado da "Liga da Justiça - Ação Sem Limites"; e a aparência dos Guardiões, que está quase oposta à dos quadrinhos, já que são representados como seres de fisionomia esguia e elevada, enquanto na nona arte, são seres de baixa estatura e bem mais numerosos.


Cena do filme com Amanda Waller aparecendo em segundo plano
A linha de roteiro, porém, não é muito positiva, e chega ao clichê em diversos momentos, bem mais até do que seria aceitável. Para ser absolutamente sincero, creio poder resumir o filme em uma frase: "Lanterna Verde" é um filme feito para os anos 1990, com uma trama estereotipada nos padrões da época, porém, com efeitos especiais dos dias de hoje.
Infelizmente, o personagem não conseguiu atingir todo o potencial que poderia, e nós, leitores e admiradores da arte sequencial em que suas histórias são contadas, vamos ter que esperar um pouco mais de tempo até vê-lo em sua posição devida. Ainda assim, como filme isolado da produção de quadrinhos, pode agradar a alguns que estejam querendo assistir um filme tradicional sobre mocinhos e bandidos. Fica a cargo de cada um a decisão de assistir ou não, e tirar suas próprias conclusões. Convido desde já, inclusive, quem o vier a fazer, para dividí-las conosco aqui nos comentários. Quanto ao quesito adaptação, continuemos aguardando nosso dia mais claro.

NOTA GERAL: 1 estrela.


terça-feira, 5 de julho de 2011

Calvin, Haroldo e Watterson

Por Gabriel Guimarães

"Os quadrinhos podem ser tudo aquilo que a mente lhes permitir ser."
O autor dessa frase, que representa de forma bastante eficaz todo o potencial comunicativo que as histórias em quadrinhos possuem, é um dos profissionais mais reconhecidos no meio desde 18 de novembro de 1985, quando publicou sua primeira tirinha no jornal da sua dupla de personagem mais famosa: calvin e Haroldo. Ao longo de sua vida, sempre lutou para que essa forma artística recebesse toda a atenção que merecia, e, por essa sua contínua luta, hoje prestamos uma sincera e justa homenagem ao quadrinista americano Bill Watterson.


Neste dia, em que Bill completa 53 anos, não há outro assunto que se mostre mais relevante para os quadrinhos mundiais como este. Nascido em Washington, ele teve uma infância regada à base de muitas produções de quadrinhos, que lhe enchiam de sentimentos e sonhos. Tendo sido muito influenciado pelas tirinhas produzidas por Charles Schultz, criador do Charlie Brown, Bill adotou algumas características que eram marcas de Schultz para seus próprios desenhos, como a simplificação das linhas nos desenhos, que, conforme o próprio afirmava, "encaixava perfeitamente com minha falta de paciência e minha pouca habilidade para o desenho."

Preocupando-se assim mais com o conteúdo do que com a forma, Watterson conseguiu atingir milhões de leitores através das suas tiras publicadas em mais de 2000 jornais ao redor do mundo e em dezenas de línguas diferentes, se tornando assim uma referência para o meio. Uma vez que sua distribuição era feita pelo Universal Press Syndicate, um dos mais respeitados consórcios de tiras dos Estados Unidos, é difícil acreditar que o criador de tão facilmente identificáveis personagens passara por muitas dificuldades antes de lançar sua obra mais conhecida. Cerca de 4 anos antes da publicação da primeira tira de Calvin e Haroldo, Watterson havia acabado de voltar a morar com casa de seus pais, após uma série de insucessos num emprego de cartunista editorial para o Cincinnati Post, onde passou por um dos desafios mais comuns da área artística: a produção contínua e seriada com limites de prazo para ser concluída.

Neste momento, ele quase desistiu de sua carreira como ilustrador, desmoralizado pela conturbada experiência, e, então, decidiu se voltar para sua paixão inicial, que eram as histórias em quadrinhos. Partindo do princípio exposto na sua frase citada no começo da matéria, Watterson criou uma tira despretensiosa sobre um garoto de vestes espaciais e seu desastrado assistente, baseados em uma produção que fizera certa vez, quando estava no Ensino Médio, para uma aula de alemão. E ali, voltou a arriscar novas criações voltadas para a arte sequencial, que viriam a ser o alicerce no qual as tiras do Calvin iriam se estruturar. O próprio Watterson admite com entusiasmo que aqueles primeiros anos voltando a produzir quadrinhos foram de uma importância sem igual, ainda que tudo que desenvolveu não tenha tido a qualidade ou o desempenho ideal. Ele aprendeu muito com os erros, e, após, partiu para seu maior feito, que o viria a pôr em destaque como um dos grandes profissionais do ramo.

Uma situação que determinou muito da postura que o quadrinista viria a ter nos anos posteriores ao surgimento de sua fama e que é um dos traços mais reconhecidos de sua personalidade, que é o fato dele abrir mão de todo licenciamento de imagem com relação a seus personagens, merece ter um destaque aqui. Ainda antes de criar seu pequeno grande protagonista de tirinhas, um syndicate demonstrou interesse pelo estilo utilizado por Watterson, e o convidou para viajar até Nova York para assinar seu primeiro contrato profissional como membro de uma grande organização voltada para a produção de quadrinhos, ainda que não tivessem realmente se apaixonado pelo conteúdo em si do que estava sendo desenvolvido por ele na época. Entretanto, Watterson se deparou com um pedido do syndicate que o deixou enfurecido. Foi passado a ele a ordem de escrever e desenhar histórias de um personagem que não era seu, além de criar outra tira cômica com único fim de fazer propagandas de um determinado produto. Neste momento, Watterson abandonou a empresa e definiu sua postura com relação ao tratamento comercial de suas criações para todo o resto de sua vida.

E foi então, que um pequeno garoto muito esperto para sua idade e um certo tigre laranja de pelúcia entram na história da vida desse quadrinista. Após estar novamente num ponto inicial profissionalmente, Bill enviou um protótipo de tirinha com seus dois novos personagens para dois diferentes syndicates, e recebeu uma resposta positiva do Universal Press, que requisitou novas tiras da dupla. Em dúvida quanto ao que deveria pôr nas tiras, Bill ligou para seu amigo editor Jake Morrissey, que lhe deu a fórmula para todo o seu sucesso seguinte: "Apenas faça aquilo de que gosta."

 

Auto retrato de Watterson conversando com
seu personagem Calvin

Dali em diante, como dizem as pessoas do ramo da comunicação, é história. Ainda que não tenha sido um estouro da noite para o dia, Watterson recebeu, enfim, o destaque que merecia, recebendo prêmios como o Eisner e o Harvey Awards e pelo conjunto de sua obra, dentre outros diversos. Porém, ele jamais se mostrou muito confortável com essas homenagens, preferindo uma reclusão artística que caracterizou muito sua relação com seus leitores. Aposentado desde 1995, quando publicou sua última tirinha de Calvin e Haroldo em 31 de dezembro, ele mantém um hábito de pintar quadros, apesar de não expô-los para os seus fãs, e não dá sinais de novos projetos futuros. Ao longo da década de 1990, todavia, dava palestras em faculdades para destacar o quanto as pessoas se esforçavam de verdade para fazer aquilo de que realmente gostavam. Acredito que essa sua lição vá permanecer com todos nós, seus leitores, por muitos e muitos anos. E, tal qual o pequeno Charlie Brown se tornou uma influência tão grande na formação de Watterson como artista (e na de muitos leitores do personagem, como pode ser um pouco visto neste artigo de um blog parceiro nosso), Calvin é, hoje, uma parte de todos nós, que o lemos e acompanhamos suas aventuras por tanto tempo (um pequeno estudo sobre alguns conceitos da psicologia nas tiras de Calvin já foi feito aqui no blog antes). Apesar de não ter um gosto tão especial por homenagens, não havia como esse dia passar em branco, e, por isso, venho aqui por meio desta matéria agradecer por tudo que foi feito por esse grande profissional de quadrinhos, tanto dentro das linhas que delineavam seu trabalho, quanto fora, pelas lições com relação às paixões que nos movem.

Para aqueles que tiverem interesse em ir mais a fundo na história do quadrinista, recomendo esta matéria publicada no blog "Depósito do Calvin", que detalha muitos dos momentos expostos aqui e traz excelentes recursos visuais para essa trajetória vitoriosa de Watterson.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma Breve Retrospectiva

Por Gabriel Guimarães


As duas gigantes do mercado editorial de quadrinhos de heróis não estão num bom momento criativamente. Apesar de essa afirmação definitivamente não ser novidade para qualquer um que acompanhe os títulos mensais e/ou edições especiais publicados por elas, é preciso destacar que é possível sim ainda produzir material de qualidade com esses personagens, ainda que estejam desgastados pelas décadas de aventuras ininterruptas.

Quando os quadrinhos sugiram no fim do século XIX, traziam em si um ar de mudança, de ferramenta para que temas importantes pudessem ser abordados de forma a alcançar uma proporção muito maior do que os livros inteiramente textuais seriam capazes. Presentes nos jornais de forma diária, muitos artistas utilizaram esse meio de comunicação para fazer críticas a aspectos sociais, econômicos e políticos que afetavam a vida de grande parte da população que consumia aqueles periódicos e, dessa forma, influenciaram muito mais pessoas do que jamais imaginariam. Esse canal criado entre os quadrinhos e seus leitores se fortaleceu ao longo dos anos, e os quadrinhos foram, de certa forma, amadurecendo.

Com o começo do século XX, vieram as duas Grandes Guerras, e o mercado consumidor já não era mais o mesmo. Fantasias, brincadeiras infantis e críticas brandas não mais encontravam tanto espaço, em meio a uma agenda preenchida por ações movidas por um grande medo do que viria a seguir. Em tempos de grande angústia, que foi reforçada pela grande crise financeira de 1929, as pessoas precisavam de alguém que as tirasse de todo aquele caos, e lhes mostrasse que existe alguém em quem elas podiam esperar. Alguém que lutasse contra o vilão todos os meses seguidos para salvar a bela donzela em perigo. As pessoas precisavam de heróis.

Quando as ameaças à vida comum superaram os limites que personagens como o Fantasma, Flash Gordon, Agente Secreto X-9 ou o Príncipe Valente, poderiam lidar, o "universo" dos quadrinhos se adaptou em si mesmo, e lhes deu um dom acima das pessoas normais: os super poderes. É, então, que surgem Superman e Batman, para renovar a esperança do mercado consumidor de quadrinhos. A partir da repercussão que tiveram junto aos leitores e com a sociedade como um todo, as editoras todas começaram a se arriscar, buscando a produção de uma nova geração de defensores dos interesses humanos. Ainda que tenham se limitado à ideologia que foi chamada de "american way of life", esses personagens foram muito importantes na formação de muitos jovens, que adotaram os alicerces ideológicos destes para si.


Stan Lee ao lado de seu Homem-Aranha

Com o fim da guerra, foi um novo momento de mudança. Os super-heróis acabaram perdendo espaço justamente pela mesma razão que os levou ao topo: sua condição sobre-humana. Uma vez que não eram afetados pelos problemas corriqueiros dos seus admiradores, a identificação com eles foi ficando cada vez mais difícil, até que um roteirista resolveu trazer esses seres maravilhosos para o nosso mundo real, e pôs rostos de verdade por trás das máscaras e capas. Assim, a Marvel começou seu universo de aventuras, e Stan Lee se tornou o rosto mais conhecido do mercado de quadrinhos ao redor do mundo todo (fiz uma matéria em homenagem a esse grande quadrinista aqui no blog antes, porém, a fim de tentar fazer chegar o texto até ele pessoalmente, a escrevi totalmente em inglês). Observando a mudança na receptividade dos quadrinhos da editora rival, o editor Julius Schwartz, junto com Gardner Fox, trouxe nova vida aos personagens da DC também.

  
Zap Comix, um dos títulos mais populares
dos quadrinhos underground e a revista do
Lanterna e do Arqueiro feita pela dupla
Adams e O'Neill

O mercado novamente estava agitado, com muita procura e conteúdo original sendo produzido. Por décadas tudo se manteve bem, o que prermitiu aos quadrinhos se arriscar em experimentos no rádio, na televisão, e até no cinema (já fiz uma análise da história dos quadrinhos no cinema aqui, que em breve, deve ser expandida). Os símbolos desses heróis passou a figurar entre os mais reconhecidos ao redor do planeta todo, e suas histórias atraíam multidões, porém, toda fonte criativa uma hora seca, e neste caso não foi diferente. Na década de 1970, com o movimento cultural que estava em atividade nos concertos de música e a queda de dogmas nas gerações que assitiram horrizadas os terrores da Guerra do Vietnã, os quadrinhos passaram por mudanças. O estilo underground, mais voltado a dar um tom sarcástico à vida comum na sociedade, começou a ganhar muito espaço e popularidade, enquanto os heróis tentavam abordar o tema de todas as formas como poderiam. Neste campo, Neal Adams e Dennis O'Neill merecem um grande destaque pelo trabalho feito com a dupla Lanterna Verde e Arqueiro Verde, pela DC, além do também brilhante trabalho feito no Homem-Aranha, pelas mãos do ainda extremamente habilidoso Stan Lee e o talentoso artista John Romita Sr.




Na década seguinte, para muitos um período marcado pela falta de fé e pela desesperança em um mundo melhor, os quadrinhos novamente tiveram que se adaptar, e é nessa época que o nome de Frank Miller ficou conhecido, através do seu trabalho no Batman, porém, não foi apenas pela trama que escreveu que ele ficou reconhecido na história da arte sequencial americana. O grande papel desempenhado por Miller foi algo que nos dias atuais está em xeque: o destaque maior para o autor da obra do que para a obra em si. O mercado passou a valorizar mais as produções de determinados nomes em detrimento a valorizar bons trabalhos de escritores e desenhistas menos renomados. Ainda que tenham existido casos espetaculares vindos dessa estratégia, como Watchmen, criado pela dupla britância Alan Moore e David Gibbons (cujo trabalho já foi analisado em matéria aqui no blog), os resultados não foram tão bons como eram pretendidos, gerando uma série de graves consequências para as editoras voltadas para esse mercado.

Com isso, a década de 1990 quase causou a ruína dos quadrinhos. O mercado passou a ser o foco, e não mais as questões relativas à criatividade e habilidade dos produtores das histórias. Com isso, surgiu a Image Comics, cujo foco se encontrava quase que exclusivamente em criar material visual atraente feito por profissionais do mercado que já possuíam um nome junto conehcido junto aos leitores, como Jim Lee e Marc Silvestri. Essa estratégia, uma vez que ignorava a real importância dos roteiros das histórias, acabou por afastar muitos consumidores regulares dos quadrinhos em si, já que as duas grandes editoras decidiram realizar algo similar em suas linhas tradicionais, tentando recuperar os números de vendas perdidas que estavam acumulando. A Marvel, então, quase entrou em falência, não fosse uma busca desenfreada por parceiros que a bancassem existindo, como, por exemplo, através do acordo firmado entre a editora e a produtora Fox, que adquiriu todos os direitos de produção audiovisual dos personagens do grupo X-men em teor de exclusividade.

Na última década (que teve seus principais acontecimentos voltados para os quadrinhos analisados meticulosamente aqui no blog no começo do ano), os quadrinhos novamente passaram por grandes mudanças. A evolução do relacionamento entre a nona e a sétima artes cresceu em níveis incríveis, e isso atraiu toda uma nova gama de leitores e admiradores para os quadrinhos, que precisaram manter o interesse dos seus consumidores que já eram tradicionais, além de expandir para novos nichos. Um tanto abalados pelos eventos decorridos no começo da década, em 2001, os quadrinhos passaram por um período de luto (que foi explicado aqui no blog), e de recomeço após isso. O mundo se tornou um ambiente em geral político, e isso passou a ser percebido de forma clara no universo de personagens queridos pelos leitores, como eram os da Marvel e da DC. "A Guerra Civil" pela Marvel e a eleição de Lex Luthor para presidente dos Estados Unidos pela DC mostra bem isso (um estudo superficial sobre essa relação entre política e quadrinhos também já foi feita aqui no blog antes, e em breve deve ser complementada).

Para encurtar um pouco essa contextualização, que poderia se extender por um texto muito longo, nos dias de hoje, estamos em um período talvez não tão claramente caótico, mas nem por isso, menos desorientador. Com o desenvolvimento contínuo da tecnologia e a velocidade cada vez crescente com que as relações sociais têm sido pautadas, os quadrinhos deveriam observar, tal qual fizeram no passado, aquilo de que seus consumidores mais precisam, e não tanto aquilo que seus consumidores compram. Pode parecer um tanto ideológico demais imaginar uma editora focar seu trabalho na criação de um universo caloroso para tempos um tanto frios de relacionamento pessoal, porém, o principal objetivo dos meios de comunicação deveria ser suprir as carências que a sociedade comunicativa demanda. Em qualquer rede social que se va pesquisar, é muito fácil observar uma quantidade imensa de usuários nostálgicos, perdidos em memóriaa que parecem longe demais para serem alcançadas ou igualadas em termos de relevância nos dias atuais. Entretanto, não acredito ser impossível criar algo desse porte, apenas observo que o foco que a sociedade vem tomando está indo numa direção que não tem essa satisfação de necessidades como meta, o que é um tanto preocupante.

Acredito que, hoje, há muito poucas pessoas se preocupando com o que os quadrinhos fazem seus leitores sentir, e muitas questionando apenas aspectos relativos a cifras e rendimento de capital. Por mais que vivamos em uma economia de mercado, que carece de contínuos rendimentos para a manutenção das marcas, a questão criativa não pode sair de discussão, e precisa de novos argumentos para se chegar a um ponto comum que mantenha boa recepção do mercado consumidor e agrade a longo prazo a vida de seus leitores. Leitores e consumidores são dois lados de uma mesma moeda, e esta não pode ficar viciada em apenas dar sempre um mesmo resultado.