segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Desafio de Ser Bom

Por Gabriel Guimarães


Todos os dias, ao redor do mundo inteiro, surgem exemplos de vida a partir de pessoas que mostraram capacidade de superar todos os obstáculos para atingir uma meta que parecia inatingível. Seja essa meta algo de grande importância no ambiente social, como Steve Jobs e Steve Wozniak, ou mesmo Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, que criaram negócios e empresas fenomenais a partir de rabiscos e sonhos, ou mesmo algo pessoal, que diz respeito apenas para a pessoa que vivenciou essa experiência. Quando isso acontece, essas pessoas se tornam marcos, fontes de inspiração capazes de alavancar muitos que ainda não encontraram a motivação exata que precisavam para correr atrás dos seus próprios sonhos e, assim, atingirem a condição que mais anseiam, a de pessoa realizada, feliz e em paz.

As histórias em quadrinhos que motivaram a essa reflexão são dois grandes casos disso. "Morro da Favela", dos brasileiros Maurício Hora e André Diniz, e "Koko be Good", da americana de origem asiática Jen Wang, são obras que incitam essa visão sobre a vida como algo mais que as preocupações e correrias de sempre, e acabam, através de uma intronização de seus personagens, revelando as sutis teias que conectam todas as pessoas dentro de uma sociedade, seja esta uma comunidade com baixa condição de renda ou até mesmo a civilização mundial como um todo, unido.


Em "Morro da Favela", a história gira em torno das experiências reais vividas pelo próprio Maurício Hora, que conta a história do local onde nasceu, a primeira favela do estado do Rio de Janeiro. Hoje conhecido como Morro da Providência, o ambiente onde a história se desenvolve representa muito da história do Brasil enquanto sociedade, explicando a origem das habitações da região em 1897 por problemas com a burocracia nacional, elemento este que até hoje permanece em evidência na mídia, até a banalização do termo 'favela' e as consequências do novo conceito atrelado a ele nas pessoas que ali residem até os dias de hoje. Com uma narrativa instigante e de uma sensibilidade única, a história observa a relação de Maurício com seu pai, desde o momento em que, ainda jovem, compreende o significado da profissão do pai enquanto bandido, até o abandono à vida de traficante (termo este usado com um contexto diferente do que é em geral encontrado nos dias de hoje), contando com momentos de amadurecimento tocantes, como quando Maurício assiste um filme tarde da noite sobre a vida dentro da cadeia e fica apavorado pensando em como o pai pode estar sendo tratado naquele momento, mesclando dessa forma sua visão ainda infantil de como era o ambiente presidiário com seus sentimentos de amor pelo pai. A partir daquele momento, Maurício começa a crescer na sua compreensão como membro do morro, e compreende que o caminho da vida dele apenas ele mesmo poderia criar, e não necessariamente teria que seguir os passos de seu velho e querido pai. Em seguida, a identidade do personagem vai ganhando forma e é possível ao leitor acompanhar sua evolução e amadurescimento. Uma cena extremamente marcante é a discussão que Maurício acaba tendo com o policial Tibério sobre a posse de sua câmera Pentax, conseguida após o suado trabalho do rapaz, porém, desacreditado pelo policial. O traço simples e fácil de associar do quadrinista André Diniz facilita ainda mais a identificação e o final realmente é muito bem desenvolvido. Revelando as dificuldades encontradas por quem procura uma vida honesta em meio às atitude nem sempre corretas da polícia e da visão muitas vezes distorcida da sociedade sobre quem vem do morro, a história é bastante tocante e sensibiliza o olhar para os preconceitos muitas vezes criados de forma despretensiosa ou mesmo desinformada. A leitura é muito recomendada. E para quem tiver o interesse, o site do Globo fez uma matéria com Maurício Hora comentando o lançamento desse livro em quadrinhos sobre sua vida, que merece uma conferida e que pode ser vista aqui.

O quadrinista André Diniz (esquerda) e o fotógrafo Maurício Hora (direita)

Com relação à "Koko Be Good", a história gira em torno de personagens em busca de um propósito geral para suas vidas, centrado na figura da jovem protagonista Koko, que tem sua vida mudada por completo após conhecer Jon, um músico frustrado recém-chegado à vida adulta que acredita que pode ajudar a mudar o mundo ao aceitar se mudar com sua namorada Emily para ajudar crianças no Peru. Com bastante ternura e traços limpos e ágeis, o leitor acompanha a mudança de perspectiva na vida de Koko no instante em que decide parar de viver apenas para si mesma e procura participar do mundo como alguém determinada a melhorá-lo, pensando que, assim, pode, enfim, encontrar o caminho que tanto procurou para seguir na sua vida. Procurando cada vez mais e novas formas de contribuir, desde enviar doações ao Fundo Mundial das Crianças até participar de carreatas pelo maior reconhecimento dos habitantes latinos dos Estados Unidos e trabalho voluntário em casas de repouso para idosos, seguimos os passos de Koko, que evolui enquantro pessoa ao longo da história toda, algo que também acontece com os demais personagens da trama, Jon e Faron. Focado na mensagem que o que parece belo pode ser apenas o que agrada, porém, acima dele, há uma condição especial e única, o sublime, a história permite ao leitor uma  verdadeira experiência de aprendizado sobre o ato de ser 'bom', e como isso muitas vezes foge aos conceitos e ideias originalmente prensados em nossas mentes pelo condicionamento social. Com uma narrativa delicada que torna fácil a e natural a relação dos personagens da história, Jen Wang leva o leitor ao período de transição na vida das pessoas com as expectativas de realização do 'bem' que são criadas ao longo da vida e a efetiva capacidade de pô-lo em prática, talvez de formas que não seriam imaginadas inicialmente. Para quem tiver interesse, a quadrinista Luciana Cafaggi chegou a fazer uma bela resenha dessa obra no blog que tem em parceria com outras excelentes quadrinistas, o "Lady's Comics", que pode ser conferida aqui.

Essas duas obras publicadas pelas editoras Leya e Barba Negra, respectivamente, podem tratar de personagens completamente distintos, tanto em etnia, nacionalidade, origens, sonhos, expectativas, entre muitos outros aspectos, porém, são obras cuja temática se associa mediante essa questão que foi o tema da matéria de hoje: o desafio de se fazer o bem. Seja por razões socio-econômicas ou até mesmo pela busca incessante da aptidão de ajudar os outros, há muitos obstáculos para quem procura fazer a diferença, para quem procura sair do padrão estabelecido por normas sociais antigas e que carecem de uma atualização mais consciente. Entretanto, por mais difícil que possa ser essa jornada, seu resultado, no final das contas, é recompensador, e através da nossa própris vida, podemos fazer mais bem aos outros do que poderíamos imaginar e sermos, dessa forma, a grande diferença no final das contas quando se observa a vida em seus olhos e se percebe o quanto ela pode ser boa, se vivida devidamente.

NOTA GERAL ("MORRO DA FAVELA"): 4,5 ESTRELAS.

NOTA GERAL ("KOKO BE GOOD"): 3,5 ESTRELAS.

Um comentário:

* Andhora Silveira * disse...

Que iniciativa interessante a do Maurício Hora e do André Diniz. Fiquei curiosa e irei procurar conhecer. É muito bom saber que estão sendo lançadas histórias em quadrinhos brasileiras que abordam tais temáticas tão realistas...