sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Conclusão de Um Grande Curso

Por Gabriel Guimarães


Após quatro dias de intenso aprendizado na Caixa Cultural durante o evento "Super-Heróis X Anti-Heróis - Dos Quadrinhos às Telas", o curso ministrado pelo estudioso Carlos Patati acerca das relações entre as histórias em quadrinhos e o cinema chegou ao fim. Apresentando o panorama atual do mercado de quadrinhos autobiográficos e o atual frutífero momento que passa a produção brasileira de quadrinhos, Patati reforçou o estímulo que vinha fazendo ao desenvolvimento da percepção cultural dos ouvintes presentes.

Iniciando o dia observando a concepção do estudo de quadrinhos a partir dos americanos Scott McCloud e Will Eisner sob o prisma da relação entre traço e composição de narrativa, Patati observou o paradigma que existia nos quadrinhos, onde quanto mais densa e aprofundadamente extensa for a história a ser contada, maior é a necessidade do traço que a narra ser simplificado, afim de facilitar a interpretação por parte do leitor. Isso vem mudando nos últimos tempos, com a produção de um grande número de graphic novels e a nova realidade do mercado, que hoje se encontra majoritariamente concentrado nas livrarias. Apesar disso, o mercado de valorização dos quadrinhos ainda é incipiente, e devido a isso, muitos profissionais do meio acabam migrando para outros setores que lhes garanta um retorno financeiro e de reconhecimento maior. É por essa razão que o quadrinista brasileiro Lourenço Mutarelli, após muito tempo fazendo arte sequencial, decidiu se arriscar no meio literário, lançando o livro "O Cheiro do Ralo", que não muito depois, foi adaptado para um filme de maior repercussão, estrelado pelo ator Selton Melo, e que ainda será exibido na amostra da Caixa Cultural no dia 22 de janeiro. O retorno financeiro foi muito positivo, e por um tempo, Mutarelli se afastou da nona arte, retornando apenas pouco tempo atrás, com mais prestígio e abertura para divulgação.

Outro exemplo de autores nacionais citado por Patati nesse quesito é o talentoso quadrinista Marcelo Quintanilha, que produz suas crônicas visuais em um estilo bastante realista como uma atividade pessoal, enquanto se sustenta com trabalho realizado para um título de quadrinhos periódico na Espanha, onde reside atualmente. Suas obras "Sábado dos Meus Amores" e "Almas Públicas" são recomendações que já foram feitas aqui no blog, o que merece ser reforçado neste momento. 


"Epilético", do francês Pierre-
François Beauchard, sob o
pseudônimo David B.

Baseando-se na influência das limitações orçamentais, Patati destacou o trabalho da geração de fanzineiros brasileiros que hoje conquistou uma fatia de mercado ainda em crescimento. Danilo Beyruth, com seu "Necronauta", e os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, com seus "10 Pãezinhos", são os casos mais claros disso. Programas de incentivo à produção nacional de quadrinhos como o ProAc, de São Paulo, além da determinação e despesas pessoais com divulgação por parte dos autores, são algumas das ferramentas através das quais esse crescimento foi possível, e hoje, observamos uma transição na realidade criativa brasileira. Com o aumento da quantidade de romances gráficos em quadrinhos nas livrarias, desde "Persepólis", da iraniana Marjane Saltrapi, até "Retalhos", de Craig Thompson, "Epilético", do francês Pierre-François Beauchard, "Umbigo Sem Fundo", do americano Dash Shaw, e até mesmo "Caixa de Areia", do próprio Mutarelli,  é surpreendente a reação da produção brasileira a isso, com muitas revistas independentes e álbuns sendo preparados com essa lógica. Entretanto, uma barreira permanece presente, a da falta de uma herança cultural digna da grandeza de nossa própria história.


"Necronauta", de Danilo Beyruth
Patati destacou que o cenário em que grandes clássicos da história da literatura mundial não difere tanto do que acaba sendo necessário à produção de quadrinhos na atualidade. O russo Dostoiévski e a brasileira Janete Clair, por exemplo, publicavam seus textos de forma periódica, para, ao seu término, concluir com uma publicação oficial da obra completa, tal qual é visto no mercado de quadrinhos. Da mesma forma, a necessidade muitas vezes de uma ocupação de sustento primária, ao mesmo tempo em que se produzem obras de teor cultural em quadrinhos ou texto num segundo plano, é encontrado na história de autores como Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, e também no já citado Danilo Beyruth e muitos outros quadrinistas brasileiros, como Emerson Lopes e Octávio Aragão.


Bancada do inconfundível
Arafatt, onde têm estado expostos
vários exemplos dos quadrinhos
analisados por Patati no curso

O padrão cultural brasileiro, infelizmente, não é o mais propício para o desenvolvimento correto da produção artística e literária, porém, há pessoas lutando para mudar esse cenário, conforme Patati ressaltou na figura do editor. Profissional responsável pela estruturação das histórias e todo o campo relacionado à sua expansão extra-ficcional, o editor é visto de forma errada no Brasil, como tanto a pessoa que realiza essas funções como aquele que meramente ocupa a cadeira de presidente das grandes editoras. A figura do editor é de suma importância, e merece ser vista de acordo com sua verdadeira natureza. Da mesma forma, a educação precisa ser levada a sério, com a profundidade necessária e o estímulo devido à expansão do ato de observar o que se está ao redor, o mundo que cerca a cada um dos estudantes.


A última aula de Patati se expandiu ainda por algumas outras áreas, porém, cita-las todas aqui com a mesma linha de raciocínio apresentada e precioso detalhismo é uma tarefa quase impossível, a qual humildemente não tentarei reproduzir na íntegra, pois apenas estando na presença de um apaixonado estudioso e mestre da área como foi o curso é que se é possível absorver um mínimo aceitável deste conteúdo transmitido. O evento organizado pela Agência Domínio Público, portanto, merece uma cordial salva de palmas, e um sincero agradecimento pela disponibilização de curso de tamanha importância para se compreender o meio de comunicação primoroso que é as histórias em quadrinhos. No restante do dia, ainda foram exibidos "Sin City", "X-Men Origens: Wolverine" e o nacional "Meteorando Kid". Apesar da conclusão do curso, o evento permanecerá em cartaz na Caixa Cultural, no centro do Rio de Janeiro até o domingo da outra semana. Até lá, a quantidade de obras a serem exibidas é impressionante, e haverá ainda a realização de três debates, muito recomendados de serem conferidos, sobre "Origem e Evolução das Personagens", dado pelo estudioso Álvaro de Moya e o jornalista Heitor Pítombo, no dia 17; "Super-Heróis e Anti-Heróis - Missão Através dos Tempos", com os estudiosos Moacy Cirne e Wellington Srbek, no dia 18; e "Dos Quadrinhos às Telas - Técnicas e Estética", com o quadrinista Allan Sieber e o estudioso Antônio Moreno, no dia 19. Simplesmente imperdível.

Um comentário:

João Ferreira disse...

Foi sem dúvida um curso fantástico. Fiquei maravilhado com tudo que aprendi. Ótimo post como sempre. (E, de quebra, eu e o Omar ainda aparecemos na banca do Arafat ali! hehehe)Abraços!