terça-feira, 28 de abril de 2015

All You Need is an Edge

Por Gabriel Guimarães


O ano de 2004 foi bastante turbulento para a humanidade. Ainda sob o jugo do temor provocado pelos atentados terroristas às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, alguns anos antes, muitos países viveram situações tensas com radicais ideológicos que optaram por utilizar os mesmos meios para combater aqueles opostos aos seus propósitos. A Austrália sofria com ameaças do tipo, a Ucrânia vivia grande caos em meio ao seu período eleitoral, a Rússia viu dois massacres ocorrerem em seus aeroportos e escolas, a Espanha sofreu atentados graves em pontos de seu sistema público de transporte, o Kosovo, ainda então parte da Sérvia, era cenário de grandes conflitos populares, insurgentes no Iraque atacaram uma de suas prisões. O mundo inteiro, portanto, passava por um período de reconfiguração de seu cenário político e militar. Nada, porém, surpreendente que essa temática, já tão emblemática na indústria de entretenimento desde os tempos da Primeira Guerra Mundial, tenha sido representada em obras da época como o documentário ''Farenheit 11/9'', o jogo ''Counter-Strike: Source'' e a obra que é o foco de nossa matéria hoje, a light novel ''All You Need is Kill''. Escrita por Hiroshi Sakurazaka e com ilustrações de Yoshitoshi Abe, a história foi publicada pela editora Shueisha dentro da revista ''Super Dash Bunko''. Uma década depois, foi adaptada para os quadrinhos por Ryosuke Takeuchi com desenhos de Takeshi Oda, e para os cinemas pelo diretor norte-americano Doug Liman.

Keiji Kiriya acordando após mais um loop
Apresentando a história do recruta Keiji Kiriya em sua primeira luta na frente de batalha do seu pelotão contra os Mimetizadores, raça alienígena que atacou o nosso mundo com o objetivo direto de dominá-lo como a uma presa, o livro aborda a mudança causada no personagem a partir do momento em que este adquire um dos poderes dos seres inimigos, o qual faz com que ele volte no tempo até um dia antes de sua morte toda vez que ele cai em confronto. Com um estilo similar ao do filme de comédia de 1993, ''Feitiço do Tempo'', o protagonista se vê preso em uma rotina repetitiva cujo fim sempre termina por levá-lo de volta ao começo. Revivendo centenas de vezes o combate, o ingênuo Kiriya vai se tornando mais frio e calculista, uma vez que retinha todas as experiências das mortes anteriores e continuava fadado a experimentá-las continuamente. Transformando-se de um soldado novato em especialista, o personagem apresenta o desumanismo provocado pelo cenário caótico da guerra e os frequentes encontros com a morte, elemento apontado com grande pesar pelo escritor e veterano soldado alemão Erich Maria Remarque em sua obra de 1929, ''All Quiet on the West Front'', acerca da experiência alemã na Primeira Guerra Mundial.

Acima, a representação dos Mimetizadores no filme, abaixo a versão do mangá
No decorrer da trama, Kiriya conhece pessoalmente outra oficial que teria passado por experiência similar à sua com o loop do campo de batalha, a norte-americana Rita Vrataski. Apelidada em batalha de 'Valquíria' e empunhando um longa e pesada lâmina, ela lhe explica a origem do fenômeno pelo qual está passando e o ajuda a treinar para que, juntos, possam eliminar os Mimetizadores responsáveis pela salvaguarda do grupo inimigo ao gerar a viagem no tempo para que possam se reorganizar e se defender melhor dos ataques humanos. Diante da realidade grotesca das guerras e as inúmeras baixas que se repetem a cada novo loop, eles se veem confrontados por uma determinação que talvez seja a única forma de romper a repetição e terminar a batalha, mas isso não será realizado sem grandes sacrifícios.

Tendo iniciado a desenvolver sua história a partir da experiência que leu de um jogador de videogame onde o seu personagem ressurgia nos checkpoints depois de morrer em uma parte mais avançada da fase, mas com maior experiência e entendimento do que viria a encontrar mais pra frente, o autor Hiroshi Sakurazaka procurou observar o outro lado dessa dinâmica e avaliar os efeitos que esse contínuo retorno teria em um indivíduo na linha de frente de combate. Muito menos luxuosa do que alguns poderiam presumir, a história dá um enfoque dramático e aterrorizante no ciclo de mortes sem fim testemunhado por Kiriya.

O mangá produzido a partir da light novel adquiriu grande popularidade pela arte de Takeshi Oda, responsável por renomados outros títulos como ''Death Note'' e ''Bakuman'', e foi publicado em duas revistas no Japão, a ''Weekly Young Jump'' e a ''Weekly Shonen Jump'', sendo trazido para as bancas brasileiras pela editora JBC em dezembro do mesmo ano. Com bastante dinamismo nas cenas e uma abordagem tensa dos efeitos psicológicos no personagem principal, ''All You Need is Kill'' agradou bastante ao público e conseguiu ter boa visibilidade no estande da editora na ComiCon XPerience em São Paulo.

O filme, renomeado para ''Edge of Tomorrow'' (em português, ''No Limite do Amanhã''), foi um grande responsável por trazer os holofotes para a história de Hiroshi. Dirigido por Doug Liman, reconhecido por seu trabalho no filme ''Identidade Bourne'', e estrelado por Tom Cruise e Emily Blunt, o filme arrecadou mais 100 milhões de dólares só dentro dos Estados Unidos e mais que o dobro disso no resto do mundo. Com uma pegada um pouco diferente da narrativa original, o filme apresenta a perspectiva do major Willian Cage, uma figura mais pública que ativa no combate aos Mimetizadores, que acaba sendo enviado para o campo de batalha contra sua vontade e que se vê preso ao loop temporal logo em sua primeira investida. Em meio ao ciclo repetitivo de morte em ação, Cage conhece Rita, apresentada então como 'o anjo de Verdun', uma vez que a trama se desenrola em terras europeias ao invés da original nipônica. Ela o treina e, juntos, traçam um plano para destruir os Mimetizadores que vinham provocando o caos na França e Alemanha. Diferente da versão original, a trama não alcança o clímax que o mangá apresenta, mas apresenta um ambiente menos hospitaleiro que rende uma boa evolução na personalidade dos personagens. A trilha sonora, também, ficou marcada como um elemento fundamental para o filme e foi um dos grandes pontos positivos da produção, conforme é possível conferir no trailer abaixo. Forte concorrente a uma das trilhas sonoras mais notáveis de 2014.

 
A atuação de Emily Blunt esteve excelente no filme
Em ambos, a personagem de Rita Vrataski é emblemática e expõe a ruptura com a visão conservadora das mulheres no campo de batalha. Forte, segura e determinada, a personagem representa grande parte da evolução da história e é tão protagonista da história quanto Kiryia ou Cage. Carismática, ela é respeitada por companheiros e superiores, e no filme, é uma das personagens melhor representadas, em compasso com sua participação no mangá.

O filme rendeu, ainda, outra adaptação para as história em quadrinhos, desta vez em volume único, pela dupla Nick Mamatas e Lee Ferguson, produzida nos Estados Unidos a partir da trama original. Publicada pelo grupo editorial Viz Media, responsável em 2009 pela tradução do original de Hiroshi e de outras centenas de obras japonesas para o inglês, a edição mantém-se inédita no Brasil. Tanto o mangá quanto o filme e a graphic novel saíram por volta da mesma época, no primeiro semestre de 2014 e impulsionaram uma discussão mais ampla sobre a possibilidade de mais mangás e light novels serem adaptadas para os cinemas norte-americanos, trazendo assim maior atenção para seus autores e para a mídia, muitas vezes marginalizada por uma imagem pública demasiado infantil.


A quem tiver interesse em conferir uma entrevista de Hiroshi Sakurazaka para o portal Japan Times acerca da produção em cima de sua obra estreando nas grandes salas de cinema, o link segue aqui. O site Anime News Network também fez uma matéria interessante sobre o sucesso alcançado pelo filme ''No Limite do Amanhã'', que pode ser conferida aqui. Para concluir, o site The Motley Fool preparou uma matéria interessante sobre a graphic novel do ''All You Need is Kill'', da Viz Media, que pode ser conferida aqui.

NOTA GERAL (FILME): 4 ESTRELAS.
NOTA GERAL (MANGÁ): 4,5 ESTRELAS.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Era dos Vingadores

Por Gabriel Guimarães


A fim de não estragar a percepção do filme àqueles que querem ter suas impressões próprias nas poltronas das salas de projeção, procuraremos aqui apresentar uma resenha adequada acerca dos valores apresentados no filme e o que pode-se ponderar a partir dos eventos ocorridos neste. As principais revelações ficarão a cargo do filme em si, mas ainda assim, apresentaremos aqui uma análise concisa e imparcial acerca do filme "Vingadores 2 - A Era de Ultron". Dito isto, prossigamos.

Joss Whedon encerra sua passagem
como diretor dos Vingadores neste filme
O mais novo filme da Marvel estreia nos cinemas brasileiros esta semana com o objetivo de apresentar uma nova fase do universo cinematográfico dos personagens da editora. Enquanto a primeira produção fez questão de apresentar o laço que permeou a primeira leva de filmes produzidos pelos estúdios da gigante dos quadrinhos, este segundo surge para consolidar essa marca em expansão e explorar ainda mais as possibilidades que essa junção pode produzir. Para tanto, a Marvel tem feito uso de um procedimento meticuloso na divulgação do material relativo à película, apresentando muitos estímulos aos fãs exigentes e ansiosos por novidades de seus queridos heróis, ao mesmo tempo em que se reservou o direito de guardar elementos surpreendentes e agradáveis para a experiência particular dos espectadores do cinema.

O filme apresenta os Vingadores em um momento diferente daquele em que os encontramos na primeira aventura conjunta dos personagens. Outrora submetidos aos interesses governamentais que os uniram em um primeiro momento, os heróis agora já carregam consigo seus próprios emblemas e cicatrizes de batalha unida. Como equipe, eles já estão mais aptos a defender os inocentes, e sua dinâmica em campo é um elemento de grande qualidade, inclusive. Iniciando o filme com uma pegada bem acelerada e com boas doses de ação, o público encontra os seus heróis na cidade europeia de Sokovo, já em meio a uma missão de apreensão do cetro de Loki, algo que já foi bastante explorado no filme anterior, mas cujo potencial é muito maior do que apresentado até então.

A cena do trailer sobre Mjolnir, o martelo do Thor, tem mais
 importância do que parece ao longo do filme
Abordando de forma instigante as particularidades dos personagens em si e seus relacionamentos uns com os outros, o filme aprofunda um pouco mais a história de alguns heróis pouco trabalhados até então, ao mesmo tempo em que dá uma sensação de amadurecimento a outros cujos passos já vínhamos seguindo nos últimos anos. Conflitados por fantasmas do passado distante e presente, os personagens precisam se redescobrir nesse filme, colocando em xeque os conceitos sobre os quais viveram e se constituíram. Em meio a isto, a ameaça de Ultron surge de forma desproposital, provocando novas rusgas que mais tarde se tornam mais intensas no filme.

O relacionamento de Bruce Banner e Natasha
Romanoff é um dos pontos altos do filme
Aproveitando-se disso, o ser artificial pretende levar a cabo o desejo de proporcionar um mundo sem guerras de seu criador, Tony Stark, de uma forma agressiva que não havia sido ponderada inicialmente. Em meio ao caos que o robô pretende abater sobre o mundo, ele acredita que a humanidade há de evoluir para estar apta aos novos desafios. Determinados a impedir os planos de Ultron antes que seja tarde, os heróis seguem os pequenos rastros deixados para trás que os levam até o mercenário Ulysses Klaw, interpretado pelo versátil ator Andy Serkis, detentor do raro metal Vibranium, retirado das selvas de Wakanda. Ao chegarem a ele, porém, os heróis são confrontados com o vilão que subentitula o filme e seus dois parceiros, os gêmeos Pietro e Wanda Maximoff. Em uma empolgante sequência, Thor, Viúva Negra e Capitão América são submetidos a lutar contra alguns de seus maiores receios e dores, enquanto o Gavião Arqueiro, Homem de Ferro e Hulk acabam tomando parte em outros eventos igualmente alarmantes, rendendo cenas de grandes qualidade e emoção.

Clint Barton ganhou bastante
destaque nessa continuação
Abalados pelo conflito, os heróis reavaliam a proposta da existência do grupo, abrindo margem para consequências relevantes para a cronologia cinematográfica dos estúdios, as quais já podem ser conferidas no desenrolar deste filme e nos próximas produções, como "Capitão América - Guerra Civil" e "Thor - Ragnarok". Tratando discussões sobre legado como algo de interesse dos heróis, tanto social quanto pessoal, o diretor Joss Whedon traz à tona traços de personalidades mais humanos a personagens até então fechados, como a Viúva Negra e o Hulk, mas, principalmente, o Gavião Arqueiro. Uma vez que seu intérprete, Jeremy Renner, apresentara válido descontentamento com a falta de características de seu papel, ele agora adota um tom humano que ajuda a contrabalançar o grupo de superseres, o que o torna um elemento de destaque neste filme.

Observando Ultron procurar por mais poder para executar seus planos, os heróis são obrigados a combatê-lo de forma contínua, ao mesmo tempo em que os novos personagens Pietro e Wanda amadurecem em cena, percebendo que nem tudo é o que parece, passando a reavaliar sua participação no processo de erradicação da humanidade. Trazendo, então, outros elementos novos e instigantes acerca da inteligência artificial, o filme apresenta um de seus mais potencialmente poderosos personagens, o androide Visão. Entrar em maiores detalhes seria privar o público da experiência estimulante apresentada nas telas do cinema, então, apenas deixamos o convite para que a história em si possa ser conferida na íntegra por cada espectador a fim de que proporcione conclusões individuais e momentos de diversão e animação ímpares.

O filme é, portanto, uma obra de transição, em suma. Ele encerra um ciclo que vinha sendo conduzido com paciência e abre uma nova fase que demonstra desde já agitação tanto dentro de cena quanto fora dela. Os estúdios, percebendo a reação de êxtase do público, vem se aproximando de seus admiradores e criando um universo empolgante e cheio de possibilidades para o futuro, que parece muito animador. O trabalho com o principal vilão do filme, feito de forma mais sutil e cômica do que se supunha, dialoga principalmente com as expectativas dos personagens para o universo no qual estão inseridos e na sequência de suas respectivas histórias. Se a ansiedade do público ao longo do processo de divulgação desse projeto foi magnífica, com destaque para o estande montado pela Marvel na ComiCon XPerience de 2014, (cuja cobertura completa pode ser conferida aqui no blog), o que está por vir certamente deixará os afincos espectadores dos estúdios da editora e os fãs desses extraordinários heróis no limite de suas cadeiras, envolvidos e emocionados com um projeto midiático que vem marcando época e é fonte de ricas observações para o papel desempenhado por esse material na vida de seus admiradores

"Eu vejo um novo começo de Era..."
NOTA GERAL: 4 ESTRELAS.